quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Foi Apenas um Sonho - ** de *****

Sempre digo que raramente guardo expectativas positivas ou negativas acerca de um filme antes de assisti-lo, logo, fui ao Cinema de Campinas (passei três dias hospedado nesta cidade a serviço da Prefeitura Municipal de minha cidade e aproveitei uma hora de folga para ir ao cinema conferir o novo filme de Sam Mendes) assistir a este “Foi Apenas um Sonho” sem esperar muita coisa do mesmo. A princípio, o casal DiCaprio e Winslet não me atrai nem um pouco, pois encontro-me anosluz (é sem hífen?) de estar entre os fãs de “Titanic”, um dos filmes mais superestimados de todos os tempos. Sendo assim, os únicos fatores que poderiam vir a contribuir (mas não contribuíram) para o aumento de minha expectativa seriam: 1º) o longa ter sido dirigido por Sam Mendes, que assinou “Beleza Americana”, um de meus cem filmes prediletos; 2º) o roteiro ter sido inspirado no ótimo livro de Richard Yates e 3º) a curiosa e inesperada esnobação da Academia perante o mesmo, uma vez que a obra em questão recebeu muitas indicações em outras premiações, dentre as quais o aclamado Globo de Ouro. E falando na esnobada que a Academia deu em “Foi Apenas um Sonho”, acredito que tenha a resposta para tal, conforme o leitor poderá encontrar na crítica infra exibida.

Ficha Técnica:
Título Original: Revolutionary Road.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.revolutionaryroadmovie.com/
Nacionalidade: Estados Unidos da América / Reino Unido.
Tempo de Duração: 119 minutos.
Diretor: Sam Mendes.
Roteirista: Justin Haythe, baseado em livro de Richard Yates.
Elenco: Leonardo DiCaprio (Frank Wheeler), Kate Winslet (April Wheeler), Michael Shannon (John Givings), Ryan Simpkins (Jennifer Wheeler), Ty Simpkins (Michael Wheeler), Kathy Bates (Helen Givings), Richard Easton (Howard Givings), Kathryn Hahn (Milly Campbell), Zoe Kazan (Maureen Grube), Dylan Baker (Jack Ordway), Keith Reddin (Ted Bandy), Max Casella (Ed Small), Max Baker (Vince Lathrop), Jay O. Sanders (Bart Pollack), Duffy Jackson (Steve Kovac), John Behlmann (Sr. Brace) e Kristen Connolly (Sra. Brace).

Sinopse: Frank (Leonardo DiCaprio) e April (Kate Winslet) formam um casal aparentemente feliz, mas que na realidade está insatisfeito com o vazio existencial que tanto atormenta os seus cotidianos. Frank é funcionário de uma empresa na qual o seu pai trabalhou durante vinte longos anos e nunca fora reconhecido. Perturbado pelo medo de tornar-se a imagem de seu progenitor, o rapaz vive em constantes crises com a sua esposa April. Esta, por sua vez, também encontra-se insatisfeita com o seu “status quo” e propõe ao marido uma solução extremamente radical: abdicarem da vida confortável que possuem em sua casa, alcunhada de Revolutionary Road, e mudaram-se a Paris.

Revolutionary Road – Trailer:

Crítica:

Por que será que todo filme protagonizado pelo casal Leonardo DiCaprio e Kate Winslet tem que ser apenas morno e nada mais? Quando ambos assumem individualmente o papel principal de um determinado filme, o mesmo se revela bem acima da média (como foi o caso de “Os Infiltrados”, por parte de DiCaprio, e “Pecados Íntimos”, por parte de Winslet), mas quando ambos atuam juntos surgem “negócios” superestimados do naipe de “Titanic”. A mesmíssima coisa ocorreu com este “Foi Apenas um Sonho”, mas com uma diferença: ambos os atores estão bem mais amadurecidos agora e se vem (o circunflexo caiu neste caso, não caiu?) capazes de apresentar atuações bem mais convincentes que o casal clichê Jack/Rose.

E são justamente as atuações de DiCaprio e Winslet, somadas à química exalada pelas mesmas, que constituem uma das maiores qualidades desta produção roteirizada por Justin Haythe. Ambos os atores contam com papéis difíceis de serem interpretados e, ainda assim, o fazem com maestria. E se o desenvolvimento dos protagonistas deste longa se revela falho, isso não se deve ao trabalho dos mesmos, mas sim à falta de capacidade do roteiro em criar situações que nos faça sentir na pele o real drama de seus protagonistas.

Pode-se dizer a mesma coisa do personagem John Givings, muito bem encarnado por Michael Shannon. É de Givings que provém os diálogos que definem perfeitamente bem a fragilidade do casal moldado nos dogmas do american way of life, entretanto, o mesmo sofre por ser muito mal explorado pelo roteiro. Além de aparecer muito pouco em cena, o personagem de Shannon é bastante prejudicado pelo modo maniqueísta como o roteiro o introduz na trama. Francamente, é coincidência demais o fato de uma amiga de um casal de jovens com constantes crises existenciais pedir para que os mesmos interajam com o seu filho que, em uma ironia do destino, se revela uma pessoa louca e que critica todos os ditames de relacionamentos amorosos do tipo os de Frank (DiCaprio) e April (Winslet).

Mas voltando às qualidades do longa, digo que estas não se resumem apenas às atuações por parte de todo o seu elenco. Não, vão muito além disso. A recriação dos anos 50, por exemplo, é simplesmente fantástica, a começar pela ótima trilha-sonora, que nos remete diretamente à época, passando pela fantástica seleção dos figurinos. A direção de arte também contribui muito para o resultado final da película, pois se responsabiliza pela criação de ambientes bem interessantes, como é o caso do clube onde Frank e April se conhecem logo no início da película. A fotografia? Sim, é ótima e confere a ênfase necessária para retratar o sentimento de tristeza em que vive o casal, alternando entre tons alegres durante os bons momentos do casamento entre ambos e tons lúgubres durante os vários períodos soturnos de tal matrimônio.

E se a fotografia da obra colabora, e muito, para a sensibilidade desta, a direção de Mendes, por mais incrível que possa parecer, atrapalha. Ao contrário do que havia feito em “Beleza Americana”, o marido (na vida real) de Kate Winslet realiza aqui uma direção fraca e pouco criativa, onde a criação de planos e ângulos se mostra quase nula. A competência que Mendes tem ao conduzir o seu brilhante elenco não tem nos demais aspectos referentes à direção do filme, sobretudo no que diz respeito à proporção de uma sensibilidade que venha a ligar o espectador à trama de um modo mais consistente, sejam pelas críticas sociais tecidas pela mesma, sejam pelos problemas pelos quais passa o casal.

A verdade, no entanto, é que a falta de sensibilidade contida na obra não é culpa exclusiva da direção desta. Nesse quesito, o roteiro é o maior vilão. Utilizando o enfadonho e, ao mesmo tempo, conturbado casamento dos Wheeler como pano de fundo para uma crítica à sociedade estadunidense dos anos 1950, perdida nas entrelinhas do american way of life, o filme nada mais consegue do que ser sério, e só. “Foi Apenas um Sonho” revela-se então um sub-“Beleza Americana”, mas com a terrível e inadmissível agravante de apresentar críticas bem menos consistentes e veementes do que a obra de 1999. Pior ainda é constatar que o humor cínico da obra estrelada por Kevin Spacey é substituído aqui por um drama que utiliza recursos deveras artificiais para tentar decolar.

Quais recursos seriam estes? Vários. A começar pelo drama de April. A moça era uma aspirante à atriz, correto? Sim, até aí tudo bem. Mas então porque cargas d’água ela manifesta a vontade de abandonar tudo, mudar-se para Paris e exercer uma profissão completamente diferente da de atriz? E qual seria o propósito das traições de Frank? Fazer com que o mesmo perceba o quão infeliz ele é em sua união conjugal? Criar sentimentos de culpa ao mesmo? Fazer com que April demonstre certo desdém ao descobrir a verdade? Enfim, temo que, caso a hipótese real seja alguma dentre estas três, Justin Haythe tenha falhado terrivelmente em todas as alternativas.

Resumidamente, a, aparentemente, estranha esnobada que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deu em “Foi Apenas um Sonho” justifica-se a partir do momento em que terminamos de assistir ao mesmo. Almejando estabelecer criticas ao american way of life, o filme nada mais faz do que chover no molhado e causar inúmeras decepções em seu público alvo, principalmente aos espectadores que vão ao cinema esperando ver um roteiro bem alicerçado, contando com inúmeras situações que exponham as falhas gritantemente visíveis na sociedade estadunidense (e não só na sociedade estadunidense como em qualquer outra sociedade que adote o capitalismo como sistema econômico). Não bastasse isso, Sam Mendes ainda realiza uma direção fraca, nada imaginativa e pouco sensível, ficando bem aquém de seu trabalho em “Beleza Americana”, filme exacerbadamente parecido com este em questão (onde está aquele Mendes excepcional que nos emocionava com um simples saco plástico flutuando pelo cenário?) e os personagens jamais chegam a ser explorados de um modo verdadeiramente satisfatório. “Foi Apenas um Sonho”, no entanto, conta com um pouco mais de qualidades do que de defeitos. O elenco está bem afiado e todos os atores rendem ótimas atuações (apesar de que nenhum deles mereciam, sequer, ser indicados ao Oscar) e a reconstrução dos anos 1950 (realizada através da perfeita união entre trilha-sonora, direção de arte e figurinos) é formidável, sem contar, é claro, na fotografia que acaba conferindo à trama a sensibilidade que a direção e o roteiro não conseguiram conferir.

Que sirva de lição para que o próximo cineasta que se propor a criticar o sistema, a sociedade, ou qualquer outra coisa que seja, que o faça com consistência, com embasamentos, com argumentos e, principalmente, com amor ao que está fazendo, não aos lucros que poderá obter fazendo o mesmo.

Avaliação Final: 5,3 na escala de 10,0.

Nenhum comentário: