terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Lutador - **** de *****

Disse várias vezes e torno a dizer: detesto comparar um filme com um outro qualquer. Mas no caso de “O Lutador” é praticamente impossível não fazer algumas ligações entre ele e “Rocky, um Lutador” e, principalmente, “Touro Indomável”. O motivo de tais analogias? Bem, creio ser mais conveniente citá-lo mais abaixo, durante o desenrolar de minha crítica. Por ora, gostaria de mencionar outro erro cometido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. É evidente que a entidade comete um ou outro erro em toda a edição que decide realizar, e convenhamos, se você fosse realizar algo parecido com o Oscar, não iria cometer alguns erros? Claro que sim, todo ser humano que se preze cometeria algumas injustiças, isso é normal e, até mesmo, dependendo do caso é claro, passável. Contudo, uma coisa é cometer um erro ou outro, outra coisa é errar em largas proporções. E, sejamos francos, a Academia errou com uma incompetência fora do comum este ano, não? Onde já se viu colocar engodos como “Quem Quer Ser um Milionário?”, “O Curioso Caso de Benjamin Button” e, principalmente, “Milk - A Voz da Igualdade” para concorrer o prêmio principal da noite e se esquecer de “Batman - O Cavaleiro das Trevas”, “Wall-E”, “A Troca”, “Vicky Christina Barcelona” e este ótimo “O Lutador”? Pois é, está cada vez mais difícil aceitar os erros do, injustamente considerado, mais importante prêmio do Cinema.

Ficha Técnica:
Título Original: The Wrestler.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: www.foxsearchlight.com/thewrestler
Nacionalidade: Estados Unidos da América.
Tempo de Duração: 115 minutos.
Direção: Darren Aronofsky.
Roteiro: Robert D. Siegel.
Elenco: Mickey Rourke (Randy "Ram" Robinson), Marisa Tomei (Cassidy), Evan Rachel Wood (Stephanie Robinson), Mark Margolis (Lenny), Todd Barry (Wayne), Wass Stevens (Nick Volpe), Judah Friedlander (Scott Brumberg), Ernest Miller (Aiatolá), Tommy Farra (Tommy Rotten), Mike Miller (Lex Lethal), John D'Leo (Adam), Ron Killings (Ron Killings) e Dylan Keith Summers.

Sinopse: Randy “Ram” Robinson (Mickey Rourke) é um famosíssimo lutador de luta livre que, com o passar dos anos, torna-se velho demais para continuar com o esporte. Sua saúde está debilitada e “Ram” se vê obrigado a abandonar a sua principal fonte de renda. No entanto, a sua vida fora dos ringues é extremamente patética e o mesmo passa a ter constantes crises existenciais a partir do momento em que abandona a profissão.

The Wrestler – Trailer:

Crítica:
Toda criança ou adolescente que sonha em ser um esportista ou seguir uma profissão que exija muito mais de seu físico do que de sua mente deveria assistir a este “O Lutador”. Ah, sim, o filme não poderia ser permitido para menores de 18 anos levando-se em conta a violência e as cenas de nudez inseridas no mesmo, não é? Pois então acredito que todos os pais das crianças e adolescentes que citei acima deveriam assistir a “O Lutador” e depois contarem a experiência aos seus filhos, para que os mesmos fossem alertados antes que seja tarde demais. Por que estou mencionando isso? Simples, porque o mais recente filme de Darren Aronofsky revela-se um eficiente retrato da ingratidão do esporte para com os seus ídolos logo após estes atingirem uma idade mais avançada. Aliás, “O Lutador” não é apenas isso, é também um filme que aborda várias questões importantíssimas conforme poderemos conferir mais abaixo.

O longa começa do modo mais empolgante o possível. Temos uma abertura eficiente com uma série de capas de revistas narrando a gloriosa carreira de Randy “Ram” Robinson, um verdadeiro ícone da luta livre estadunidense. A música “Bang Your Head”, do excelente grupo de Hard Rock (na verdade o grupo surgiu durante a época (anos 1980 para ser mais preciso) em que o Hard Rock estava se juntando a um estilo de música mais rápido e pesado, formando o Heavy Metal, que eu tanto admirava durante a minha adolescência e admiro até hoje, aos 25 anos de idade) Quiot Riot, tocada ao fundo, nos introduz já de cara à trama e nos cativamos com o filme logo em seu primeiro “sinal de vida”. Contudo, acaba-se a abertura do longa e a cena que vemos a seguir ilustra o mesmo “Ram” vitorioso de outrora, sentado em uma cadeira no fundo de uma sala. Nessa cena, Aronofsky já nos dá uma amostra de sua genialidade, pois ao vermos o protagonista sentado, isolado e cabisbaixo, em uma cadeira no canto de uma sala vazia, conseguimos, em uma única tomada, perceber o estilo de vida triste e isolado que o mesmo leva. É nos ringues que “Ram” tenta suprir o seu vazio de existir.

Nos bastidores dos combates, no entanto, podemos notar a farsa que reside por trás daquelas lutas sangrentas. Carregados de artimanhas a fim de aumentar o grau de dramaticidade dos confrontos (tais como: vidros de mentira, lâminas que os lutadores escondem entre as luvas e utilizam para fazer pequenos cortes na própria testa durante os combates, sem que os espectadores notem o truque, entre outros codilhos), podemos notar então que os protagonistas de tais lutas são, na verdade, mais atores do que lutadores propriamente dito. O grau de frivolidade presente nas mesmas é algo que vai além do que se pode imaginar. Incrível vermos que mais de mil e quinhentos anos se passaram desde as gladiaturas e o povo ainda faz uso de confrontos sanguinolentos a fim de preencher o vazio de suas vidas. Mais incrível ainda é vermos o quão uma pessoa, no caso, o lutador, pode manipular o seu publico e, ao mesmo tempo, ser manipulado pelo mesmo. Robinson é a prova disto.

Quando o brutamontes sobe nos ringues, sua vida se transforma. Ele se torna um herói, alguém de respeito, alguém que muitas pessoas admiram e adorariam estar no lugar. Quando o mesmo não está na lona, porém, ele se torna um fracassado, alguém que mal possui dinheiro para pagar o aluguel do trailer ordinário que habita. “Ram” vê então a necessidade de fazer “bicos” em um mercado local, algo que o faz sentir inferior. E não é a toa que o lutador detesta ser chamado de qualquer outra coisa que não seja o seu nome de guerra: “Ram”. Afinal de contas, como alguém que é, ninguém mais, ninguém menos, do que “Ram”, um ícone nacional, pode conformar-se em ser apenas Randy Robinson, um indivíduo fracassado aos olhos do “American Way of Life”, cujo preenchimento emocional consiste em abrir-se com uma stripper que o trata apenas como um mero cliente?

É evidente então que a vida de “Ram” resuma-se aos ringues, pois é somente lá que ele se torna um vencedor, mesmo que a sua vitória seja previamente combinada. Mesmo a luta sendo parcialmente “arranjada”, o protagonista, é claro, precisa ter um físico digno de um campeão. Digno de alguém que possa escancarar um veículo qualquer em questão de minutos, com apenas socos e pontapés. “Ram” faz então o uso pesadíssimo de drogas para tal, como anabolisantes e afins. Esta é outra questão que o filme aborda muito bem também. Com o uso de tantos suplementos alimentares, o protagonista ganha um físico extremamente forte, mas a sua saúde fica completamente debilitada. O seu coração, sobretudo, fica deveras vulnerável e as chances de um enfarto passam a ser gigantescas. O médico aconselha “aposentar” “Ram”.

E o que será da vida do mesmo, agora que ele abandonou a única coisa na vida que lhe dava um pouco de ânimo para seguir com a mesma adiante? O personagem passa então a tentar se reerguer. Nisso vemos um novo Rocky Balboa surgir. Entretanto, antes deste Rocky Balboa aparecer em cena, tínhamos um Jack La Motta. Afinal de contas, Randy também era um “Touro Indomável” nos ringues, mas a sua vida fora dos mesmos era ridícula, sem propósito, sem razão de ser. O mesmo era odiado pela família (na verdade, uma única filha que possuía, como será comentado mais adiante) e dependia veementemente de sua fama para poder se destacar na sociedade. Randy era a típica pessoa que era a sua profissão, e nada além disso.

O que acontece então quando ele se aposenta e se torna um indivíduo que precisa trabalhar para garantir a subsistência, sendo que não sabe trabalhar em absolutamente nada? Randy passa então a ser um Rocky Balboa (protagonizando precisamente o ótimo segundo episódio da saga de Sylvester Stallone) mesclado com um Travis Brickle (em virtude de suas constantes crises de solidão). E, francamente, essa salada de personagens com crises existenciais funciona bem, mas não há como negar que, ao “arranhar” a personalidade de La Motta, Balboa e Brickle, o filme assume a pretensão de construir um protagonista quase tão complexo quanto estes outros três. É aí que a trama tropeça, pois o Cinema já nos apresentou vários personagens (inclusive os outros três citados) idênticos a “Ram”, só que, na maioria das vezes, tais personagens se mostraram mais interessantes que Randy.

É claro que o personagem de Mickey Rourke tem as suas peculiaridades, afinal de contas, diferentemente de Rocky Balboa, apenas para citar um exemplo, ele consegue se sair razoavelmente bem em uma outra profissão, bem como a de balconista em um supermercado local, mas não restam dúvidas de que o drama do personagem de Stallone conseguia nos cativar bem mais e era abordado de uma forma muito mais interessante. O mesmo acontece com os personagens Jack La Motta e Travis Brickle. E antes que o leitor diga, digo eu. Sei muito bem que detesto criticar um filme comparando-o com outro, mas no caso de “O Lutador”, não há como fugir de tal artifício, pois as semelhanças com os demais filmes do gênero é evidente.

Outras falhas que o longa possui são os pequenos clichês embutidos em seu roteiro (e lá vem esse cara falar de clichê de novo, mas fazer o quê, que culpa tenho eu se o Cinema não tem inovado muito recentemente?). Temos o protagonista que sofre com problemas de saúde e resolve repensar a sua vida a partir daí, um drama familiar envolvendo o pai que abandonou a filha e o interesse deste pela única pessoa com quem consegue manter um contato, digamos, ligeiramente aceitável, uma vez que Randy é o típico pessoa que consegue a façanha de comunicar-se verbalmente com menos frequência do que este que vos escreve. Todavia, assim como parafraseei Alfred Hitchcock em meu texto sobre o excelente “Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” faço-o novamente aqui: “melhor começar no clichê do que terminar no mesmo.”. E “O Lutador” realmente faz isso, pois o final bonitinho e redondinho que o longa prometia apresentar-nos, felizmente, é deixado para trás devido à filosofia de vida autodestrutiva de seu protagonista, que aparenta ser muito mais forte do que a vontade do mesmo em reparar os seus erros do passado.

Uma vez abordado o que o filme tem de melhor e, ironicamente, de pior também (é claro que refiro-me à construção de seu protagonista), vamos encerrar esta crítica utilizando outros dois aspectos de suma importância? Primeiramente, devo mencionar a direção de Aronofsky. Além de criar planos-sequências fabulosos (como a cena em que o diretor simboliza o caminho que o protagonista percorria até chegar a um ringue, com a diferença de que agora ele está adentrando um balcão de um supermercado), o diretor ainda prima por adotar um estilo de direção que nos faz sentir dentro da trama. O trabalho de Darren faz nos ter a sensação de que fora adotado o sistema de filmagem típico do movimento Dogma 95, onde filma-se apenas com uma câmera em um dos ombros. O resultado? Temos uma filmagem propositadamente balançada e que nos faz ter a impressão de estarmos acompanhando a ação como se fossemos um narrador-observador da trama. Fascinante.

Encerrarei com as atuações agora, que tal? Afinal de contas, são as atuações que acabaram chamando mais a atenção de “O Lutador”, pois tanto Mickey Rourke quanto Marisa Tomei entraram na disputa do Oscar de Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente, sendo que o primeiro tem chances fortíssimas de faturar o prêmio. Rourke sempre foi tido como um ator canastrão, e não é para menos. Contudo, o mesmo deu uma guinada em sua carreira desde que atuou no superestimado “Sin City - A Cidade do Pecado”, chegando a render uma excelente atuação até mesmo no fraquíssimo “Domino - A Caçadora de Recompensas”. O seu trabalho em “O Lutador” parece ter fechado com chave de ouro essa maravilhosa fase de sua carreira e nada mais justo do que o ator ser premiado com um Oscar. Rourke faz aqui um trabalho maravilhoso, ele resmunga na medida em que deve resmungar, ri na medida em que deve rir, chora na medida em que deve chorar, gagueja na medida em que tem que gaguejar, se revolta na medida em que deve se revoltar, enfim, Rourke capta toda a essência de seu personagem e a sua atuação é digna de ser aplaudida de pé. O mesmo pode-se dizer do trabalho de Marisa Tomei. Encarnando uma complexa personagem que aparenta ser o alter ego feminino de “Ram” (afinal de contas, ambos precisam trabalhar com o físico e à medida em que suas idades avançam, eles vão começando a se preocupar com a hipótese de abandonarem a única coisa que sabem fazer na vida), Marisa também realiza uma atuação sob medida e serve de total apoio para Rourke realizar uma de suas melhores cenas no filme (a sequência em que ambos conversam em um bar).

“O Lutador” revela-se, no final das contas, um drama existencial um pouco aquém dos demais já lançados no mercado. O drama de seu protagonista pode ser facilmente comparado com protagonistas de outros filmes do mesmo gênero, com a diferença de que aqui ele é abordado de maneira menos convincente que nos grandes clássicos do gênero. O longa se apóia em alguns clichês durante alguns momentos, mas os abandona durante o desenrolar da trama. O protagonista, por sua vez, pode não ser tão bem desenvolvido quanto os protagonistas de outros filmes desta natureza, mas não há como negar que o mesmo, ainda assim, é extraordinariamente fascinante e conta com as suas peculiaridades. O drama do mesmo não deixa de ser realmente cativante. A direção de Aronofsky é extraordinária e, além de criar planos fantásticos, utiliza um sistema de filmagem inteligente que nos introduz definitivamente na trama. Mickey Rourke encarna o seu personagem na medida certa, realizando aqui uma atuação digna do Oscar que vai, e merece, vencer e Marisa Tomei desempenha otimamente uma importante função no filme. Vale destacar a irretocável e empolgante trilha-sonora que, sabe-se lá porquê, ficou de fora do Oscar deste ano.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

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