quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Na Mira do Chefe - *** de *****

Certa vez, pouco antes de dar-se início à Copa do Mundo de 2002, comentava com o meu pai que o Brasil, felizmente, não iria levar a taça para casa em virtude de sua péssima campanha nas Eliminatórias anterior (os motivos pelos quais torcia contra a Seleção Brasileira (e ainda torço veementemente contra e, francamente, sempre torci e sempre torcerei contra a mesma) explico em uma ocasião mais apropriada, mas é claro que o leitor, sagaz como é, já deve ter deduzido que tem algo relacionado à alienação em massa proporcionada pela mesma). Ele, por sua vez, disse que as chances do Brasil faturar o troféu eram enormes, pois se a Seleção encontrava-se fraca naquele momento, as outras equipes estavam igualmente medíocres (e desta vez falo no sentido pejorativo da palavra, e não na qualidade de mediano como sempre costumo fazer) e tinham ainda menos chances de vencerem a Copa. O que isto tudo tem a ver com “Na Mira do Chefe”? Bem, com o filme em si, nada, mas com a sua participação no Oscar, tudo. Se “Na Mira do Chefe” está concorrendo ao aclamado Oscar de Melhor Roteiro Original e já arrematou vários outros prêmios importantes para a sétima Arte, é porque 2008 foi um ano vergonhoso para o Cinema e, na falta de coisa melhor, premia-se a primeira obra diferente que se vê pela frente, mesmo esta se revelando uma produção apenas na média e nada mais.


Ficha Técnica:
Título Original: In Bruges
Gênero: Comédia.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.inbruges.co.uk/
Nacionalidade: Inglaterra e Bélgica.
Tempo de Duração: 107 minutos.
Direção: Martin McDonagh.
Roteiro: Martin McDonagh.
Elenco: Colin Farrell (Ray), Brendan Gleeson (Ken), Ralph Fiennes (Harry Waters), Clémense Poésy (Chloë), Jérémie Renier (Eirik), Thekla Reuten (Marie), Jordan Prentice (Jimmy), Elizabeth Berrington (Natalie), Eric Godon (Yuri), Sachi Kimura (Imamoto), Anna Madeley (Denise) e Ciarán Hinds (Padre).

Sinopse: Harry Waters (Ralph Fiennes), chefe de um grupo de matadores de aluguel, envia dois de seus profissionais, Ray (Colin Farrell) e Ken (Brendan Gleeson), a Bruges, uma cidadela medieval localizada na Bélgica. Ken, um intelectual de carteirinha, logo se apaixona pela arquitetura gótico-medieval local e a importância histórica que tem a cidade. Ray, um rapaz estúpido e inculto, não consegue partilhar com o amigo a mesma opinião. Em primeiro lugar, porque ele não se adapta ao local, uma vez que é o típico jovem boêmio e cidades pacatas não lhe agradam nem um pouco, em segundo lugar, porque carrega consigo o trauma de uma missão mal-sucedida, e isto lhe pesa a consciência de um modo que passa a ter sérias dificuldades para se distrair.

In Bruges – Trailer:


Crítica:

Ao contrário do que muitos podem imaginar, inclusive os(as) senhores(as), a profissão de crítico de Cinema não é das mais fáceis, muito menos, das mais gratificantes. Uma coisa é “brincar” de crítico e poder escolher os filmes os quais serão objetos de crítica, outra coisa é você se ver obrigado a assistir a uma penca de filmes os quais não assistiria em uma ocasião normal. Por este motivo, creio que os críticos da sétima Arte passam tanto tempo assistindo a tanta asneira que o Cinema, mormente Hollywood, nos “empurra” que, ao verem uma produção um pouco diferente das demais, já elevam esta a um patamar muito mais alto do que realmente merece ser elevada. Quando o gênero em pauta então é a comédia, nem se fale. Tendo em vista que a grande maioria dos filmes que passam pelos cinemas, sobretudo os cinemas chinfrins, são as comédias, é mais do que natural que as produções desta espécie sejam as que mais confiram títulos ruins ou péssimos (como é o caso da maioria) ao mercado cinematográfico (tanto que, na grande maioria das vezes, os “vencedores” do Framboesa de Ouro são os filmes de comédia).

Aí surge um “Na Mira do Chefe”. Um filme que, aparentemente, tenta ser diferente, fugir dos clichês habituais do gênero, trazer o novo à pessoas que já estão fartas do “mais do mesmo”. De fato, a produção consegue o fazer com certo êxito, não se tenha nem dúvidas, mas isso não quer dizer necessariamente que seja um filme lá muito bem sucedido. O leitor deve-se lembrar de quando eu mencionei, ao escrever sobre “Onde os Fracos Não Têm Vez”, que todo o filme que tente inovar, por pior que seja, merece o mínimo de respeito, não se lembra? Pois é, mas por outro lado, ao comentar o fraco “Amigos, Amigos, Mulheres à Parte” mencionei que, muitas vezes, na tentativa de inovar (no caso desta comédia romântica, ela tenta inovar muito pouco, muito pouco mesmo), o filme acaba se revelando ainda pior do que se revelaria caso seguisse os tradicionalismos de sempre. Ainda assim mantive a minha opinião costumeira e conferi alguns pontos extras ao longa dirigido por Howard Deutch pela tentativa (ainda que falha) deste inovar.

E quanto a “Na Mira do Chefe”? Bem, o mesmo não conseguiu obter o mesmo êxito que “Onde os Fracos Não Têm Vez” obteve, mas ao menos não se revelou tão falho quanto “Amigos, Amigos, Mulheres à Parte” se revelou. Muito longe disso. Assim como o filme de Martin McDonagh está longe de ser ótimo, excelente ou perfeito, ele também está longe de ser péssimo, ruim, ou apenas razoável. “Na Mira do Chefe” se revela, durante a maior parte de seu tempo, uma produção satisfatória, agradável, mas apenas isso. Aí surge um aglomerado de críticos rasgando seda para o filme, dizendo que o mesmo é uma nova obra-prima da comédia de humor negro. Festivais como o Globo de Ouro e o Bafta atribuem prêmios importantíssimos ao longa e o Oscar ainda o indica na categoria de Melhor Roteiro Original. Oras, sejamos racionais. Será que o Cinema está tão decadente a ponto de um filme merecer tanto crédito por ser, apenas, diferente?

O longa começa muito lento, com muito pouco ritmo. Piadas fracas vão surgindo, como a cena em que o personagem de Colin Farrell zomba de uma família obesa. O roteiro vai, cada vez mais, nos apresentando a situações que não fazem o filme levantar vôo (e já nem me lembro (e nem quero) mais se vai acento circunflexo no primeiro ‘o’ ou não) de maneira alguma. Os atores até que fazem a sua parte, realizam grandes atuações, sobretudo Colin Farrell que trabalha muito bem (muito bem mesmo). O diretor Martin McDonagh também faz um bom trabalho, apesar de realizar algo que particularmente não me atrai nem um pouco: criar uma espécie de cartão-postal da cidade de Bruges ao dar ênfase demais aos pontos turísticos da mesma. Não que a cidade não mereça ser enfocada, muito pelo contrário, Bruges é encantadora. A eficiente fotografia empregada por Eigil Bryld torna a paisagem e a arquitetura locais ainda mais belas de serem admiradas por nós, espectadores (a propósito, quando sai o próximo vôo para a Bélgica? Gostaria de poder apreciar a sua arquitetura de perto.). Entretanto, quando um filme começa a dar muita ênfase ao cenário ou a paisagem do local em que a trama se desenrola, sempre suspeitem de uma coisa: o mesmo está tentando suprir a falta de conteúdo de seu roteiro com a beleza visual de suas locações. E “Na Mira do Chefe”, lamentavelmente, faz isso com certa frequência.

Passam-se os minutos. Os personagens de Farrell e Gleeson vão se revelando mais cativantes, mas ainda assim não há como não notarmos o modo artificial com que o roteiro desenvolve o protagonista Ray. Após ter sido contratado para eliminar um padre, Ray, involuntariamente, acerta uma pessoa inocente e acaba tirando-lhe a vida (e não vou descrever que espécie de pessoa era essa que o protagonista matou involuntariamente, sob pena de tirar o peso dramático da cena). O fato confere um trauma terrível ao personagem, que sofre fortes ameaças de entrar em profunda depressão e, até mesmo, cometer suicídio. Contudo, se a consciência do protagonista era tão pesada assim, como ele podia se revelar tão radiante e despreocupado no início do filme, quando conheceu Chloë (Clémense Poésy) e passou a paquerá-la? E por mais linda que a moça seja (e ela realmente é), acredito que isso não seria argumento o suficiente para que ele pudesse simplesmente esquecer-se do ocorrido. Logo, o roteiro falha gritantemente (isso para não dizer “berrantemente”) ao abordar esta alteração de humor constante do protagonista do modo mais indelicado o possível.

Felizmente, temos os personagens secundários do filme. Estes sim são construídos de um modo extremamente interessante. Variamos desde o skinhead assaltante até o chefe de quadrilha que conta com um código de ética fortíssimo (o qual jamais quebra) e passamos pelo anão racista, pela narcotraficante internacional e muitos outros personagens completamente curiosos. Aliás, desde que assisti ao ótimo “Snatch – Porcos e Diamantes” não via uma gama tão vasta de personagens bizarros e hilários quanto neste “Na Mira do Chefe”. E o roteiro sabe os utilizar de um modo realmente magistral, inserindo-os em situações tão absurdas quanto eles mesmos o são.

Os diálogos do longa também são fenomenais e a mesmíssima citação que fiz ao comentar o ótimo “Frost/Nixon”, faço ao comentar esta obra de McDonagh: “Gostaria de destacar também os diálogos do filme. Confesso que, durante alguns momentos, as falas de seus personagens me remeteram à deliciosa sensação de estar assistindo a um filme roteirizado por Woody Allen”. Como não se esbaldar em gargalhadas ao ouvir coisas do tipo: “___ Havia uma época em que ser skinhead consistia em matar palestinos de 12 anos, mas hoje em dia parece ser um pré-requisito para ser gay.” e “___ Eu sou americano, mas por favor, não me culpe por isso.”.

Resumidamente, “Na Mira do Chefe” é um filme que não começa nada bem. Temos um protagonista deveras artificial, cujas mudanças de caráter não são estudadas pelo roteiro de um modo verdadeiramente satisfatório. O longa não tem ritmo em seu início, o senso de humor empregado demora bastante para funcionar e a direção de Martin McDonagh, à primo, parece se importar mais em criar uma sequência de cartões-postais da cidade de Bruges do que de conduzir o filme de um modo realmente aceitável. Tais falhas vão sendo corrigidas com o desenrolar da trama. O elenco é extremamente competente (o que já era de se esperar de um elenco encabeçado por profissionais excelentes como Colin Farrell, Brendan Gleeson e Ralph Fiennes). Farrell realiza uma das melhores atuações de sua carreira e, se o roteiro é extremamente artificial na abordagem de seu personagem, ele nada tem a ver com isso. Sua atuação é cativante e convincente. Ralph Fiennes, então, nem se comenta. A sua presença é devastadora e, quando o mesmo entra em cena, o filme ganha uma força fora do comum. Surgem os personagens secundários, sujeitos dotados de características para lá de bizarras, hilárias, curiosas e interessantes. A trama vai criando situações engraçadas, mas no geral, o longa está há anos luz de merecer o prestígio que vem, exageradamente, recebendo. Um bom filme, apenas isso.

Avaliação Final: 7,0 na escala de 10,0.

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