sábado, 1 de outubro de 2011

Um terço (ou menos... ou mais... ou quem sabe?) da crítica de "A Árvore da Vida"


Levando-se em conta que eu demoro super pra escrever os meus textos, e que hoje é sábado, e que eu já tô bêbado pra burro, e que eu provavelmente ficarei ainda mais bêbado durante o decorrer da noite/madrugada, e que eu poderei entrar num período de ressaca bastante longo, inclusive, postei um pouco (tipo, muito, relativamente falando, mas pra quem costuma escrever 2.500 palavras por texto, é pouco mesmo) da minha crítica de “A Árvore da Vida” aí embaixo. Assim que terminar o resto, completo aqui.

Por Daniel Esteves de Barros.

Crítica:

Mostrando-se altamente filosófico desde o seu princípio, “A Árvore da Vida” logo trata de nos reduzir a nada. Sim, a nada mesmo. “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?” é a frase contundente que abre o filme, realçando-se ainda mais ao ser reproduzida somente sobre uma tela integralmente escurecida. Afinal, quem somos nós pra nos considerarmos os senhores do universo? Quem somos nós pra acharmos que a nova crise do sistema econômico merece ser retratada em duas ou três páginas do jornal nosso de cada dia, enquanto explosões milhares de vezes maior do que o nosso sistema solar inteirinho acarretam na criação de outros novos sistemas? Quem somos nós pra passarmos horas falando sobre a Primavera Árabe (apesar de a grande maioria da população sequer fazer ideia do que seja isso, o que é uma pena), enquanto uma simples, aos olhos da imensidão azul deste nosso planeta, “pedrinha celestial” choca-se e acaba com a farra de uma raça inteira de seres que perduraram milhões de anos a mais do que a nossa própria espécie? Quem somos nós pra querermos “vencer na vida” (seja lá o que for isso), enquanto galáxias inteiras são engolidas por buracos negros em frações de um único segundinho mal contado que seja?

E o modo como Malick, junto de seus demais colaboradores, retrata essa relação de inferioridade humana é, em alguns momentos, digna de se fazer inveja à maestria com a qual Stanley Kubrick “passeia pelo universo” com a sua câmera em “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (que afirmo ser “apenas” o meu segundo filme favorito). Filmando o espaço sideral de forma irrepreensivelmente linda, mas sem jamais deixar de realçar a fúria inexorável e irrefreável das transformações estelares, o experiente cineasta (de apenas cinco longas, sendo este “A Árvore da Vida” o melhor de todos) ainda dá as mãos pro quase-oscarizado-compositor (pelo seu belo trabalho no super bom, mas superestimado, “O Discurso do Rei”) Alexandre Desplat e deixa que a trilha-sonora do rapaz (de meia idade) complete aquilo que está sendo divinamente explicitado em tela. E é através das músicas majestosas de Desplat que sentimos que o que nos vai sendo retratado ali, apesar de indiscutível e objetivamente lindo, é o surgimento de uma série de sinfonias confusamente sensoriais que ilustram os mais diversificados sentimentos da forma mais paradoxal o possível, contrastando diretamente a alegria daquele maravilhoso festival de explosões coloridas, com a melancolia de nossa visível incapacidade de reação, diante daquele fenômeno tão naturalmente violento.

Aliás, essa direção voluntariamente ambígua de Malick merece tanta atenção aqui quanto às fotos da Scarlett Johansson – bem à vontade, diga-se – que vazaram pela net na semana retrasada, devendo-se destacar, acima de tudo, a cena da já citada “pedrinha celestial” que põe fim à era dos lagartões com complexo de grandeza. Um diretor mais exagerado, e menos capacitado (e aí, Emmerich?! Beleza?!), é claro, aproveitar-se-ia daquela situação toda pra fazer uma destruição em massa carregada de CGI e, na certa, esgotaria todo o orçamento direcionado ao longa em questão só pra filmar esse disaster movie de uma sequência só. Malick, logicamente, já prefere investir em simbolismos inteligentes e extrair, da sutileza – que não é nada sutil – daquele sublime – que não é nada sublime – momento, uma metáfora para o “nascimento” da espécie humana. Logo, não é difícil de fazermos uma analogia comparando o meteoro que atinge a Terra com um sêmen que atinge um ovário, principalmente se notarmos que, poucos segundos após o ocorrido, nos deparamos com a personagem de Jessica Chastain em período de evoluída gestação (e o solo de violino que acompanha tais cenas até o nascimento do filho do casal, não só é um dos momentos mais arrepiantes de todo o longa, como também parece querer nos sussurrar a todo o instante: “a vida é um milagre, não é nada diante do universo, mas é um milagre”).

Malick destaca-se super também no posicionamento de câmeras. E pode-se dizer que é justamente através de tal posicionamento que o cineasta conta a estória toda sem ter que recorrer a uma trama necessariamente mirabolante, mas marcada por um roteiro recheado de diálogos magistrais (citarei alguns mais para frente). Se a grandeza do universo e a superioridade da natureza são retratadas pelas lentes do diretor através de grandes planos gerais que captam cada mínimo detalhe do ambiente filmado, Malick acerta ainda mais quando filma a família O’Brien, que protagoniza a trama principal (mas nem tão principal assim, se é que me entendem), e achega a câmera deles, fazendo com que a seleção de planos aproximados, primeiros e primeiríssimos planos e, eventualmente, alguns planos detalhes, tornem-nos mais íntimos daquela patota toda, mostrando então que, por mais pífios que sejamos aos olhos do universo, somos nós mesmos que protagonizamos a nossa própria existência, por menor que esta seja.

Claro, a natureza está sempre ali, nos esnobando a todo o instante, mas ainda assim, temos todo o direito de nos colocar à frente de todas as coisas em nossa própria vida. E é justamente nesse ponto que a já citada direção ambígua de Malick atinge o seu momento máximo. Ao mesmo tempo em que o diretor filma os personagens principais com planos fechados, dando total importância a eles, a mixagem de som puxa o tapete da moçada e equaliza os ruídos do cenário de forma desfavorável à raça humana. Notem que, por mais barulhentas que naturalmente seriam as ações dos personagens, os ruídos emitidos pelo vento ou pela água corrente (que, na certa, foram acrescentados pela edição de som) SEMPRE ficam em primeiro plano durante o decorrer da narrativa.