terça-feira, 3 de março de 2009

Três Macacos - ***** de *****

Assistir a “Três Macacos” é, para mim, uma experiência extremamente nova. Ao escrever sobre o majestoso “Os Sete Samurais” reconheci que não conhecia o cinema asiático tão bem quanto gostaria de conhecer. Agora, se eu não tinha muita afinidade com o Cinema asiático oriundo do Japão, imagine então com o Cinema asiático oriundo do Oriente Médio. E para ser ainda mais específico, imagine o meu grau de relação para com o Cinema Turco. O quê? A Turquia não faz parte do Oriente Médio? Ok, realmente não faz, mas a parte asiática do país, alcunhada de Anatólia, faz divisa com a região, logo, é mais do que esperado que os filmes provenientes do país euro-asiático tenham uma ou outra característica em comum com as obras do Oriente Médio, sobretudo as provenientes do Irã. E, ao menos pelo que pude constatar até então, este excelente filme de Nuri Bilge Ceylan tem muitas relações com alguns filmes iranianos a que já assisti (e confesso que também não foram muitos). Quais são estas características? Leia mais abaixo.


Ficha Técnica:
Título Original: Üç Maymun.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Nacionalidade: Turquia.
Tempo de Duração: 109 minutos.
Direção: Nuri Bilge Ceylan.
Roteiro: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan e Ercan Kesal.
Elenco: Yavuz Bingol (Eyüp), Hatice Aslan (Hacer), Rifat Sungar (Ismail), Ercan Kesal (Servet), Cafer Köse (Bayram) e Gürkan Aydin (A Criança).

Sinopse: uma família, a fim de cobrir certos pontos tenebrosos que atormentam o passado da mesma, decide não se comunicar mais entre si. Contudo, à medida em que o silêncio se prorroga, a crise familiar cresce cada vez mais, até ultrapassar todas as barreiras do insustentável.

Üç Maymun – Trailer:

Crítica:

Assistir, comentar, analisar, interpretar ou realizar qualquer outra ação que esteja diretamente ligada a este “Três Macacos” é uma tarefa extremamente complexa. Assim como muitos filmes iranianos, esta obra do Cinema turco é Arte pura (e escrevo Arte com o “A” mais maiúsculo do que nunca). É o “cult” do “cult”, ou seja, Cinema Arte mais “Arte” do que isso, impossível. A estória é simples, simples demais. Os personagens são um pouco estereotipados. Mas mesmo assim, quem não tiver a sensibilidade artística necessária a fim de conseguir captar a essência da trama passará quase duas insuportáveis horas na poltrona do cinema assistindo a um filme desgraçadamente insosso.

“Três Macacos” exige um esforço terrível do espectador. Cobra deste uma postura mais ativa, mais participativa, ou seja, está longe de ser os típicos “blockbusters” estadunidenses onde você fica duas horas com o traseiro na poltrona, comendo pipoca e com o cérebro desligado (e nada contra os filmes comerciais, pois, por mais que Stanley Kubrick, Federico Fellini e Ingmar Bergman sejam os meus cineastas prediletos, comecei, assim como qualquer outro pobre mortal, a “flertar” com o Cinema assistindo a Steven Spielberg, George Lucas e, até mesmo, Michael Bay).

O foco do longa reside em uma família aparentemente simples: pai, mãe e filho. Mas há algo extremamente errado acontecendo com eles. Alguma coisa impede que a família seja verdadeiramente feliz. O que seria essa “coisa”? Um trauma do passado? A falta de afeto por parte dos membros que a compõem? O desvio moral dos protagonistas? Acredito que seja tudo isso somado a um principal aspecto: a falta de comunicação entre os familiares.

O título “Três Macacos” não poderia descrever melhor o que vemos na tela. Lembra-se daquele provérbio japonês em que um macaco era cego, o outro surdo e o terceiro mudo? Pois é, ele pode ser perfeitamente aplicado aqui, uma vez que o pai Eyüp (Yavuz Bingol) se faz de cego e finge não ver os problemas da família, a mãe Hacer (Hatice Aslan) se faz de surda e finge não escutar as reclamações dos demais famíliares e o filho Ismail (Rifat Sungar), por sua vez, se faz de mudo e guarda para si os seus próprios problemas. Uma simples reunião em família, com os três sentados em uma mesa, debatendo as diferenças de um para com o outro poderia mudar a situação em que os três se encontram, não? Sim, poderia, mas assim como muitos de nós, ocidentais, os protagonistas de “Três Macacos” parecem não ver necessidade alguma de se fazer tal coisa, desencadeando uma série de infelicidades presentes no ambiente famíliar que aparenta não mais ter fim.

“Três Macacos” acaba, de uma forma ou de outra, destrinçando o modo como a globalização afeta o cotidiano das pessoas nos locais mais inimagináveis. A frieza contida nas famílias estadunidenses (como podíamos ver em “Beleza Americana”, apenas para citar um exemplo) acaba sendo transportada a todos os lugares do Globo Terrestre, o que resulta em sociedades auto-reprimidas e indivíduos fechados e taciturnos que buscam uma felicidade alternativa através de adultérios, vícios da espécie do alcoolismo, ou o preenchimento existencial voltado à violência. Todos os protagonistas de “Três Macacos” são pessoas extremamente tristes, depressivas, e com um ódio recíproco para com os demais membros da família. É só reparar na música (excessivamente brega, diga-se) que Hacer coloca como toque principal de seu celular. Quando a ouvimos tocar pela primeira vez, ficamos sabendo logo de cara que a mulher nutre um ódio fora do comum pelo marido Eyüp, mesmo sem ele ter entrado em cena antes do ocorrido.

Mas o “plus” do filme reside mesmo na fantástica direção de Nuri Bilge Ceylan (justamente premiada com a Palma de Ouro de Melhor Direção, injustamente esnobada pelo Oscar que optou por concorrentes bem mais fracos). O diretor turco mostra tanto talento por trás das câmeras que, sinceramente, nem sei por onde começar a descrever o seu trabalho. Ou melhor, sei sim, que tal, obviamente, começarmos pelo começo? Uma das cenas que abrem este “Três Macacos” já nos presenteia com uma amostra do trabalho que o diretor viria a fazer mais para frente, durante o desenrolar do longa. Refiro-me à sequência da rodovia que abre o filme e quando Ceylan posiciona e fixa a sua câmera em um determinado ponto. Vemos então um carro emanar um forte lampejo vindo de seus faróis dianteiros e que se destaca da escuridão predominante na cena. Conforme o veículo avança o seu caminho, o brilho vai reduzindo consideravelmente até tornar-se um insignificante ponto de luz extremamente distante e desaparecer por inteiro. Essa sequência, em si, já resume o caminho o qual Ceylan irá adotar durante os minutos remanescentes do filme.

A técnica do “deep focus” é outro grande destaque da direção de "Três Macacos" e é sempre muito bem empregada por Nuri Bilge Ceylan, só que de uma maneira um pouco diferente da que fora utilizada por Orson Welles em “Cidadão Kane”, por Jean Renoir em “A Regra do Jogo”, por William Wyller em “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, ou, para citar um exemplo bem mais atual, por Tony Gilroy em “Conduta de Risco”. Em “Três Macacos” o foco não é necessariamente um personagem da trama, mas sim o “nada”. Isso mesmo, o “nada”. Aquele vazio supremo que assombra a vida das pessoas no mundo contemporâneo. Ceylan aplica com maestria a centralização de objetos inanimados e deixa os seus personagens em segundo plano, sem nunca os tirar de cena. Uma maneira bastante sutil de nos mostrar o quão vazias e desinteressantes estas pessoas o são, a ponto de nem ao menos merecerem um foco mais digno.

A criação de ambientes claustrofóbicos também é uma outra grande jogada de Ceylan. O novato (fez apenas cinco filmes até então), mas extremamente genial, diretor toma todas as devidas precauções para posicionar a sua câmera de um modo que faça com que nós, espectadores, nos sintamos espremidos e sufocados. O apartamento, que aparenta ser um agente agregador da família, é filmado como se fosse um vilão do filme, alguém que une os protagonistas, contra a vontade destes, e os deprimem com um estarrecedor silêncio que permeia a sofrível convivência entre eles. A moradia dos protagonistas está mais para uma prisão recheada com um ambiente extremamente depressivo do que para um lar em si.

Quando os personagens encontram-se fora do apartamento o filme emana um clima um pouco menos desconfortável, mas ainda assim repulsivo. Há uma sequência em especial que evidencia tudo isso, que é quando vemos Hacer e o político Servet (Ercan Kesal) em uma praia. Primeiramente, não há como não nivelarmos esta cena com algumas sequências de “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam”, de Ingmar Bergman. Principalmente quando víamos, no filme sueco, as duas protagonistas na praia, focalizadas à longa distância. Porém, acredito que as semelhanças residam apenas no contexto visual da cena, e não no metafísico. É muito provável que a intenção de Ceylan seja mostrar o quão insignificantes nós, seres humanos, estamos nos tornando diante do ambiente que nos cerca. Somos espremidos por um ambiente fechado e minimizados por um ambiente aberto. Enfim, não somos nada, ou até menos do que nada, uma vez que o vazio parece ter maior importância do que nossas pessoas e nossos cotidianos insossos.

Realizando um complexo estudo sobre os terríveis problemas que a falta de comunicação pode trazer aos cotidianos familiares, “Três Macacos” peca (se é que posso dizer desta forma) somente na utilização de alguns pequenos estereótipos (pai alcoólatra, mãe infiel, filho “perdido”) e ao conferir melodrama demais a algumas cenas contidas em sua segunda metade (e é uma pena que o protagonista Eyüp rompa o silêncio algumas vezes, sendo que o mesmo revelava-se muito mais perturbador do que as suas discussões, em alto e bom som, com Hacer e o filho Ismail). Nada que faça com que o longa deixe de ser um primor da sétima Arte, principalmente no que diz respeito à direção de Nuri Bilge Ceylan, que confere ao drama a sensibilidade mais do que adequada para que ele funcione corretamente, além de empregar técnicas semelhantes às adotadas por grandes cineastas como Orson Welles, Jean Renoir, Ingmar Bergman e William Wyler a fim de aumentar o impacto visual e metafísico de sua obra. E se a Globalização levou males aos países orientais a ponto de criar famílias neuróticas como as que vemos aqui, ao menos ela teve um ponto positivo no que diz respeito à Arte: permitiu com que cineastas europeus e estadunidenses criassem influências diretas sobre inúmeros profissionais asiáticos, possibilitando com que os mesmos se responsabilizem por grande parte dos melhores filmes cult de Arte lançados contemporaneamente.

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.

2 comentários:

Renata Duai disse...

Tão bom quanto o filme foi seu comentário.
Parabéns, Daniel!

Daniel Esteves de Barros disse...

Enfim... uma pessoa de visão hehehehe.

Muitíssimo obrigado, Renata. E continue comentando.