quinta-feira, 12 de março de 2009

Diário de um Pároco de Aldeia - **** de *****

Já assisti a quase todos (ou seria todos?) os filmes de Robert Bresson durante a minha adolescência e na época não era lá um grande fã de filmes de Arte, logo, não posso arriscar que nota daria a tais produções neste exato momento. Resolvi então reassistir a todas estas obras novamente, começando pelo que menos havia me chamado a atenção na época. Refiro-me a este “Diário de um Pároco de Aldeia”. Nessa segunda “visitada” ao longa, adorei-o incondicionalmente, mas ainda assim encontrei bastantes falhas que me incomodaram muito durante a projeção. Vamos conferí-las mais abaixo?


Crítica:

Se você nunca assistiu a “Dogville” e pensa o fazer em algum dia de sua vida, aconselho que antes assista a este ótimo “Diário de um Pároco de Aldeia”. Por que? Porque há muitas semelhanças entre um e outro. Assim como em “Dogville”, no filme de Robert Bresson (um dos cineastas franceses mais influentes de todos os tempos) o protagonista é um recém chegado em um vilarejo que passa a ser maltratado pela população local. Assim como em “Dogville”, o protagonista de “Diário...” é um homem com uma forte ligação divina (vale lembrar que muitos cinéfilos e críticos de Cinema, inclusive este que vos escreve, encaram a protagonista Grace do longa de Lars von Trier uma espécie de reencarnação de Jesus Cristo). Entretanto, há uma diferença muito grande entre “Dogville” e “Diário”: o primeiro critica a crueldade humana, mas em doses milimetricamente medidas, o segundo faz o mesmo apelando a exageros altamente dispensáveis.

No longa em questão, todas as pessoas são inexplicavelmente cruéis e fazem o possível e o impossível para destruir a vida do jovem padre (uma cidade onde padres não são bemvindos? Onde fica?! Onde fica?! Quero me mudar para lá!), transformando-a em um verdadeiro inferno (não almejo fazer trocadilhos aqui). O protagonista, por sua vez, revela-se o cumulo do indivíduo “coitadinho”. O cara que veio ao mundo para sofrer. Parece até que estamos diante de um dramalhão mexicano, onde o caráter estoicista de seu personagem principal chega a nos causar nauseas. Ele sofre de uma terrível doença, seu estomago não suporta refeições mais pesadas do que pão e vinho e, para complicar ainda mais, tem uma fascinação por adorar pessoas que o odeiam e tentar muda-las através da palavra de Deus.

Aí o filme se desenvolve e muda de figura. O pároco, que tanto falava de Deus, passa a questionar a existência Dele. A partir deste momento a obra ganha uma força incrível e deposita nos diálogos o seu principal atrativo. “Diário de um Pároco de Aldeia” passa então a ser mais do que um mero filme, revela-se uma sucessão de diálogos magistrais e filosóficos que tecem personagens altamente complexos com fortíssimas opiniões formuladas sobre a existência de Deus, resignação (o dialogo do protagonista com a Condessa é um dos momentos máximos do Cinema Francês), culpa, morte, felicidade (preste atenção na conversa que o pároco tem com o jovem motoqueiro próximo ao desfecho da trama) e muito (mas muito mesmo) mais. Como se não bastasse, tais diálogos, além de profundos, são proferidos de um modo ríspido, seco e imprevisível.

Robert Bresson também é um dos grandes responsáveis pelo sucesso de “Diário...”. Pode-se dizer que o diretor falha apenas quando emprega várias vezes a trilha-sonora que, individualmente analisada, se mostra belíssima, mas no contexto geral da obra se mostra extremamente maniqueísta. No mais, o mestre francês, auxiliado pela fotografia bela e, ao mesmo tempo, sorumbática quando utilizada em campos abertos, e angustiante quando empregada em lugares fechados, confere um grau de sensibilidade incrível ao filme, como raramente temos a oportunidade de ver nas produções atuais.

A criação de ângulos também conta muitíssimos pontos a favor de Bresson. Vide o modo como ele posiciona a câmera em um campo aberto e, ao mesmo tempo em que capta a beleza natural do local, dá ênfase também ao enorme vazio emocional presente no mesmo, algo que acaba representando o vilarejo de uma forma geral. Os “close ins” que o diretor realiza no rosto do protagonista também aumenta a carga dramática da trama, uma vez que a tristeza e as expressões pesadas e amarguradas do mesmo passam a condizer com o local onde a trama se passa, o que confere um clima mais pesado ao filme.

E falando em expressões, que grande atuação a de Claude Laydu, não? Contudo, não é a expressividade do ator que realmente conta pontos para o seu trabalho, mas sim o olhar do mesmo (que é muito mencionado durante o filme). Lembram de Al Pacino em “O Poderoso Chefão – Parte II”, cujo personagem era extremamente inexpressivo, mas armazenava todas as suas emoções (sobretudo a raiva e a cobiça) em seu olhar? Pois é, aqui Laydu faz a mesma coisa, mas os sentimentos demonstrados através de seus olhos são a ingenuidade e a autopiedade. Os demais atores também se saem muito bem e merecem destaque, bem como a direção de arte que cria os ambientes internos na medida certa, dando um toque a mais ao filme.

Não é necessariamente uma obra-prima, faltou pouco para tal, mas revela-se um filme muito acima da média.

Obs.: Se este é o filme de Bresson de que menos gostei em minha adolescência e, conferindo-o pela segunda vez, adorei-o com tanta intensidade, imagine então quando assistir a longas de que realmente gostei anteriormente, como é o caso de “O Batedor de Carteiras”, “O Dinheiro”, “Ladies of the Bois de Bologne”, “Four Nights of a Dreamer”, “Trial of Joan of Arc”, “A Gentle Woman”, entre muitas outras produções cujo título nacional já nem me recordo mais?

Obs. 2: Para o cineasta soviético Andrei Tarkovski, este é o melhor filme a que ele já assistiu. Exagerado, é verdade, mas enfim...

Avaliação Final: 8,3 na escala de 10,0.

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