domingo, 4 de janeiro de 2009

O Encouraçado Potenkim - ***** de *****

Pensava em fazer deste texto uma mini-crítica onde fosse capaz de discorrer sobre as principais características da obra em questão de maneira objetiva e direta, sem prolongar-me demasiadamente, mas, em face da grandeza de “O Encouraçado Potenkim”, tanto do ponto de vista artístico, quanto político, histórico e, até mesmo, social e (por que não dizer?) filosófico, e do fanatismo que passei a nutrir pelo mesmo a partir do momento em que o assisti pela primeira vez (confesso que foi apenas ontem), não me vi capaz de analisá-lo em apenas 500 ou 600 palavras. Mas convenhamos, como seria capaz criticar um filme que narra um dos principais fatos que vieram a contribuir com a Revolução Russa de 1917 em tão poucas palavras? Foi justamente com base nisso que me estendi demais na confecção deste texto. Enfim, garanto ao leitor que, mesmo com tantas palavras por mim utilizadas, não fui capaz de captar toda a essência da obra, tamanho a grandeza da mesma e, humildemente, reconheço que este texto acabou ficando pequeno demais para um filme tão completo quanto“O Encouraçado Potenkim”é.

Título Original: Bronenosets Potyomkin.
Gênero: Guerra.
Tempo de Duração: 74 minutos.
Ano de Lançamento (Rússia): 1925.
Estúdio: Goskino / Mosfilm.
Distribuição: Amkino Corporation.
Direção: Sergei Eisenstein.
Roteiro: Nina Agadzhanova e Sergei Eisenstein.
Produção: Jacob Bliokh.
Música: Edmund Meisel.
Fotografia: Vladimir Popov e Eduard Tisse.
Direção de Arte: Vasili Rakhals.
Edição: Sergei Eisenstein.
Elenco: Aleksandr Antonov (Vakulinchuk), Vladimir Barsky (Comandante Golikov), Grigori Aleksandrov (Oficial Giliarovsky), Mikhail Gomorov (Marujo), Ivan Bobrov (Marujo), Sergei Eisenstein (Cidadão de Odessa), Julia Eisenstein (Cidadã de Odessa), Beatrice Vitoldi e N. Poltavseva.


Sinopse: Um dos estopins da Revolução Bolchevista de 1917 encontra-se descrito neste filme quase que documental. Após um grupo de marinheiros do cruzador Potenkim se amotinar contra os oficiais alegando maus tratos, a população da cidade russa, Odessa, decide apoiar os mesmos organizando-se em praça pública e realizando protestos contra o czarismo. A fim de evitar manifestações de grandes proporções, a tropa czarista massacra todos os rebeldes, aumentando ainda mais a revolta dos amotinados que acabam reunindo cada vez mais aliados em prol de sua causa.

Bronenosets Potyomkin - Trailer:


Crítica:

Certa vez, ao comentar sobre “O Escafandro e a Borboleta”, mencionei que na próxima ocasião em que me fosse questionada uma posição sobre o que viria a ser, verdadeiramente, Arte, eu aconselharia que o filme de Julien Schnabel fosse assistido, pois, desta forma, a pessoa poderia ter uma idéia mais clara de como realmente seria a minha resposta. Entretanto, falando (ou escrevendo, como ocorre agora) objetivamente, creio que Arte vem a ser o modo como uma pessoa (no caso, o artista) externa os seus sentimentos de maneira individual ou global, tomando por base o mundo em que vive (vale utilizar também um outro mundo qualquer para tal, contanto que sejam empregadas metáforas que nos remetam, direta ou indiretamente, ao mundo onde vivemos, como é o caso de “O Senhor dos Anéis”, para citar apenas um exemplo). Em “O Encouraçado Potenkim” o roteirista e diretor Sergei Eisenstein certamente fez Arte, pois externou toda a sua visão com relação ao sentimento esquerdista característico da Rússia de 1925.

Tomando como pano de fundo a revolta dos amotinados a bordo do cruzador Potenkim, em 1905 (período em que o povo russo ainda era subordinado a um Czar), Eisenstein capta todo o sentimento anti-burguês que densamente marcou aquela época. O modo como o motim é retratado aqui faz com que todos nós sintamos na pele a mesma revolta que os marujos locais sentiam. Não há como não nos identificarmos com os mesmos e, de uma certa forma, nos transportamos para dentro da película, almejando fazer parte de toda a ação de uma forma direta. A luta dos protagonistas do filme inspira um sentimento de liberdade jamais visto no Cinema outrora (e confesso que, dentre os demais filmes a que já assisti (e isso inclui até mesmo as obras que foram posteriormente produzidas a “O Encouraçado Potenkim”), nenhum outro inspirou-me tal sentimento de um modo tão profundo). É a Luta de Classes marxista elevada à sua máxima potência, é a justa revolta de marujos trabalhadores contra seus oficiais autoritários, é o vital e direto embate entre classe baixa e classe alta, operários e burgueses, subordinados e subordinantes.

A direção de Eisenstein é um ponto que torna a temática do filme ainda mais forte do que ela já é por si só. Realizando ângulos fantásticos durante a obra inteira (repare no modo como o diretor posiciona a câmera e cria várias tomadas aéreas durante o motim, ou na maneira como o mesmo foca, em uma única tomada, a clássica cena em que centenas de pessoas descem desesperadamente a escadaria de Odessa), o cineasta russo também mostra total competência no que diz respeito à riqueza de detalhes de “O Encouraçado Potenkim”, conforme ocorre na seqüência em que, a fim de oferecer ao espectador uma prévia justificativa dos atos que os amotinados viriam a cometer, o diretor realiza um estratégico close em um pedaço de carne sorteado de vermes, retratando o quão inumanos eram os maus tratos pelos quais os marinheiros da época passavam (a propósito, há uma seqüência, logo no início do filme, onde vemos todos os marinheiros dormindo em um cômodo extremamente desconfortável e apertado; uma cena parecida com esta viria a ser utilizada no início de “Mestre dos Mares – O Lado Mais Distante do Mundo” com o mesmo propósito). Vale citar também o cuidado que Eisenstein atribui a uma outra cena cujo propósito também é preparar o espectador para uma revolta que viria a acontecer. Refiro-me, é claro, à seqüência em que os amotinados enviam o corpo de um marinheiro que fora morto, pelo simples fato de reivindicar comida, às praias de Odessa. Tal cena viria a causar a revolta de milhares de pessoas que passariam a se aliar aos amotinados do Potenkim e, juntos destes, se revoltariam contra as autoridades locais, fato que deu origem ao conhecido massacre nas escadarias de Odessa.

E já que mencionei tal seqüência, não há como deixar de conferir um único parágrafo deste texto apenas para descrevê-la individualmente. Se “O Encouraçado Potenkim” conta com um motivo (além dos demais que já foram supracitados e de alguns outros que virão a ser citados mais tarde) que, definitivamente, colaborou para que o mesmo fosse imortalizado, este motivo diz respeito à chocante crueldade conferida em sua mais clássica cena: “o massacre nas escadarias de Odessa”. Imagine você, caro leitor, vivendo no ano de 1925, em uma época onde o Cinema possuía exatos 30 anos de existência e, mesmo já tendo produzido, há dez anos atrás, um épico violento (e não digo “violento” no sentido visual da palavra, mas sim no que diz respeito à forte descriminação racial inserida no contexto do filme) do naipe de “O Nascimento de uma Nação”, se depara com algo tão frio e cruel quanto o massacre civil realizado pelas autoridades russas em Odessa. Não é de se estranhar que tal seqüência tenha marcado gerações inteiras, afinal de contas, é algo que nos transmite repulsas e aflições até mesmo nos dias atuais (imagine então na época em que o longa fora lançado, onde o Cinema era bem mais, digamos, puro e inocente). A dramaticidade de tal cena (que fora reproduzida anos mais tarde em um formato um pouco diferente no longa “Os Intocáveis”) se torna ainda mais poderosa após vermos uma mãe carregando nos braços o filho, que acabara de ser pisoteado, suplicar clemência às tropas czaristas, que não se conscientizam com o pedido. A propósito, se alguém me pedisse para citar uma única imagem que resumisse o filme inteiro, esta certamente seria a eleita.

Por fim, encerro este texto comentando outro aspecto que fez de “O Encouraçado Potenkim” um longa inovador e marcante: a edição do mesmo. Sobrepondo inúmeras imagens a fim de construir uma narrativa seqüencialmente estruturada, Eisenstein cria aqui uma revolucionária edição que conclui magistralmente a manipuladora (e digo isto no sentido positivo da palavra) função de conferir ao seu público o sentimento de afronta que o cineasta realmente desejava transmitir ao mesmo. “___ E tal manipulação não torna o filme todo um tanto o quanto parcial?” ___ Me pergunta o astuto leitor. E eu respondo esta pergunta empregando, para tal, uma outra pergunta: “___ Existe uma forma de retratar tal barbárie de modo imparcial?”. Seria o mesmo que exigir de Steven Spielberg uma abordagem imparcial do holocausto retratado em “A Lista de Schindler”. E, neste caso, Eisenstein não apenas criou uma verdadeira obra-prima, como também, da mesma forma que Steven Spielberg, colaborou imensamente com a humanidade, possibilitando que um dos atos mais imbecis que a nossa espécie já fora capaz de cometer ficasse eternamente gravado em nossas mentes, para que assim façamos o possível a fim de evitar que barbaridades de tal natureza venham a ocorrer novamente.

Avaliação Final: 10,0 na escala de 10,0.

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