Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop, 1.972, roteirizado e dirigido por Ingmar Bergman) - ***** de *****
Mais uma vez Ingmar Bergman realiza uma obra extremamente sensitiva abordando, sobretudo, questões existenciais. Mais uma vez tais indagações são levantadas minutos antes do óbito de uma pessoa. E por mais que estes questionamentos sobre a própria existência, realizados pouco antes da morte de um indivíduo, sejam um estereotipo nos filmes roteirizados e/ou dirigidos pelo maior cineasta da história da Escandinávia (vide “O Sétimo Selo”, apenas para citar um exemplo), não há como negar que Bergman se reinventa a cada produção por si realizada. Se Antonius Block decidira jogar xadrez contra a Morte personificada a fim de prolongar a sua própria existência e aproveitar o tempo ganho para refletir sobre o sentido da mesma, Karin e Maria, ao verem a irmã Agnes agonizando, tomam ciência de sua invulnerabilidade e passam a fazer a mesmíssima coisa.
Maria reflete sobre um gravíssimo erro que cometeu durante sua vida. Em virtude de uma falha, enfadonha e artificial união conjugal, mesclada à sua visível imaturidade, a bela mulher trai o marido com um antigo namorado, resultando numa tentativa de suicídio do cônjuge, fato que viria traumatizá-la por toda a sua existência. Karin, no entanto, sempre fora uma mulher fiel, porém o seu apego aos bens materiais e a frieza de seu casamento (ainda maior que o da irmã) a transformaram em uma mulher fortemente racional, neurótica, frustrada e insensível. É de Karin que vem aquela que julgo a cena mais marcante do filme: quando a mesma pega um pedaço de uma taça estilhaçada e fixa o olhar para a mesma dizendo: “___Isto é tudo uma mentira!”.
Conforme o leitor pôde reparar, tanto Karin, quanto Maria, são pessoas insatisfeitas com suas vidas. São mulheres infelizes por terem se apegado à hipocrisias morais e sociais (e nisso, o filme lembra muito “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam”, meu Bergman predileto). A morte da irmã Agnes serve, não apenas para uni-las mais uma vez (sendo que Karin não nutria o menor afeto por Maria), como também para fazer as mesmas refletirem sobre o quão cruel fora a existência de ambas, o quão elas poderiam ter sido mais felizes e menos desgostosas consigo mesmas caso tivessem dado menos valor à posição social e se preocupado em manter uma relação mais afetiva entre si e a irmã moribunda. Concluindo, a fantástica obra de Bergman faz com que todos nós, espectadores, lucubremos sobre o excesso de racionalidade que as vezes conferimos à nossas vidas, a falta de atenção por nós atribuída até mesmo às pessoas mais próximas de nós e, acima de tudo, à submissão moral que nos impõem paradigmas cada vez mais frustrantes.
Os aspectos técnicos do longa também são um primor. Formando uma perfeita aliança entre direção e fotografia (oscarizada, diga-se), Ingmar Bergman e Sven Nykvist realizam um filme visualmente inesquecível. O segundo conclui um trabalho fascinante e confere ao filme o tom angustiante inerente ao tema abordado por este. É surpreendente vermos que, mesmo trabalhando com cores bastante vivas (sobretudo a cor vermelha que é muito utilizada aqui), o mestre da direção de fotografia consiga ainda a façanha de criar um clima cada vez mais pesado, claustrofóbico e depressivo. Bergman, então, dispensa comentários. Seu trabalho aqui é um dos melhores de toda a sua magnífica carreira. Adotando a magistral idéia de trabalhar mais com as imagens do que com os diálogos (assim como Sergio Leone viria a fazer em “Era Uma Vez na América”), o diretor sueco aumenta ainda mais a angústia presente em seu roteiro. O destaque fica por conta dos closes que ele realiza logo no início da obra, onde foca precisamente o ponteiro de vários relógios movimentando-se lentamente, técnica esta que colabora para que o filme nos transmita uma fortíssima dose de agonia logo em seu início.
Talvez a única falha do filme seja a falta de uma abordagem mais complexa no que diz respeito às personagens de Agnes e Anna (esta que, apesar de ser uma mera empregada, se mostrava mais preocupada com a moribunda que as próprias irmãs dela), uma vez que o roteiro destina pouco tempo para explorá-las devidamente (e mesmo que as desenvolva de maneira eficaz nas cenas finais, ainda assim não é o suficiente).
Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.
Mais uma vez Ingmar Bergman realiza uma obra extremamente sensitiva abordando, sobretudo, questões existenciais. Mais uma vez tais indagações são levantadas minutos antes do óbito de uma pessoa. E por mais que estes questionamentos sobre a própria existência, realizados pouco antes da morte de um indivíduo, sejam um estereotipo nos filmes roteirizados e/ou dirigidos pelo maior cineasta da história da Escandinávia (vide “O Sétimo Selo”, apenas para citar um exemplo), não há como negar que Bergman se reinventa a cada produção por si realizada. Se Antonius Block decidira jogar xadrez contra a Morte personificada a fim de prolongar a sua própria existência e aproveitar o tempo ganho para refletir sobre o sentido da mesma, Karin e Maria, ao verem a irmã Agnes agonizando, tomam ciência de sua invulnerabilidade e passam a fazer a mesmíssima coisa.
Maria reflete sobre um gravíssimo erro que cometeu durante sua vida. Em virtude de uma falha, enfadonha e artificial união conjugal, mesclada à sua visível imaturidade, a bela mulher trai o marido com um antigo namorado, resultando numa tentativa de suicídio do cônjuge, fato que viria traumatizá-la por toda a sua existência. Karin, no entanto, sempre fora uma mulher fiel, porém o seu apego aos bens materiais e a frieza de seu casamento (ainda maior que o da irmã) a transformaram em uma mulher fortemente racional, neurótica, frustrada e insensível. É de Karin que vem aquela que julgo a cena mais marcante do filme: quando a mesma pega um pedaço de uma taça estilhaçada e fixa o olhar para a mesma dizendo: “___Isto é tudo uma mentira!”.
Conforme o leitor pôde reparar, tanto Karin, quanto Maria, são pessoas insatisfeitas com suas vidas. São mulheres infelizes por terem se apegado à hipocrisias morais e sociais (e nisso, o filme lembra muito “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam”, meu Bergman predileto). A morte da irmã Agnes serve, não apenas para uni-las mais uma vez (sendo que Karin não nutria o menor afeto por Maria), como também para fazer as mesmas refletirem sobre o quão cruel fora a existência de ambas, o quão elas poderiam ter sido mais felizes e menos desgostosas consigo mesmas caso tivessem dado menos valor à posição social e se preocupado em manter uma relação mais afetiva entre si e a irmã moribunda. Concluindo, a fantástica obra de Bergman faz com que todos nós, espectadores, lucubremos sobre o excesso de racionalidade que as vezes conferimos à nossas vidas, a falta de atenção por nós atribuída até mesmo às pessoas mais próximas de nós e, acima de tudo, à submissão moral que nos impõem paradigmas cada vez mais frustrantes.
Os aspectos técnicos do longa também são um primor. Formando uma perfeita aliança entre direção e fotografia (oscarizada, diga-se), Ingmar Bergman e Sven Nykvist realizam um filme visualmente inesquecível. O segundo conclui um trabalho fascinante e confere ao filme o tom angustiante inerente ao tema abordado por este. É surpreendente vermos que, mesmo trabalhando com cores bastante vivas (sobretudo a cor vermelha que é muito utilizada aqui), o mestre da direção de fotografia consiga ainda a façanha de criar um clima cada vez mais pesado, claustrofóbico e depressivo. Bergman, então, dispensa comentários. Seu trabalho aqui é um dos melhores de toda a sua magnífica carreira. Adotando a magistral idéia de trabalhar mais com as imagens do que com os diálogos (assim como Sergio Leone viria a fazer em “Era Uma Vez na América”), o diretor sueco aumenta ainda mais a angústia presente em seu roteiro. O destaque fica por conta dos closes que ele realiza logo no início da obra, onde foca precisamente o ponteiro de vários relógios movimentando-se lentamente, técnica esta que colabora para que o filme nos transmita uma fortíssima dose de agonia logo em seu início.
Talvez a única falha do filme seja a falta de uma abordagem mais complexa no que diz respeito às personagens de Agnes e Anna (esta que, apesar de ser uma mera empregada, se mostrava mais preocupada com a moribunda que as próprias irmãs dela), uma vez que o roteiro destina pouco tempo para explorá-las devidamente (e mesmo que as desenvolva de maneira eficaz nas cenas finais, ainda assim não é o suficiente).
Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.
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