quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Gritos e Sussurros - ***** de *****

Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop, 1.972, roteirizado e dirigido por Ingmar Bergman) - ***** de *****

Mais uma vez Ingmar Bergman realiza uma obra extremamente sensitiva abordando, sobretudo, questões existenciais. Mais uma vez tais indagações são levantadas minutos antes do óbito de uma pessoa. E por mais que estes questionamentos sobre a própria existência, realizados pouco antes da morte de um indivíduo, sejam um estereotipo nos filmes roteirizados e/ou dirigidos pelo maior cineasta da história da Escandinávia (vide “O Sétimo Selo”, apenas para citar um exemplo), não há como negar que Bergman se reinventa a cada produção por si realizada. Se Antonius Block decidira jogar xadrez contra a Morte personificada a fim de prolongar a sua própria existência e aproveitar o tempo ganho para refletir sobre o sentido da mesma, Karin e Maria, ao verem a irmã Agnes agonizando, tomam ciência de sua invulnerabilidade e passam a fazer a mesmíssima coisa.
Maria reflete sobre um gravíssimo erro que cometeu durante sua vida. Em virtude de uma falha, enfadonha e artificial união conjugal, mesclada à sua visível imaturidade, a bela mulher trai o marido com um antigo namorado, resultando numa tentativa de suicídio do cônjuge, fato que viria traumatizá-la por toda a sua existência. Karin, no entanto, sempre fora uma mulher fiel, porém o seu apego aos bens materiais e a frieza de seu casamento (ainda maior que o da irmã) a transformaram em uma mulher fortemente racional, neurótica, frustrada e insensível. É de Karin que vem aquela que julgo a cena mais marcante do filme: quando a mesma pega um pedaço de uma taça estilhaçada e fixa o olhar para a mesma dizendo: “___Isto é tudo uma mentira!”.
Conforme o leitor pôde reparar, tanto Karin, quanto Maria, são pessoas insatisfeitas com suas vidas. São mulheres infelizes por terem se apegado à hipocrisias morais e sociais (e nisso, o filme lembra muito “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam”, meu Bergman predileto). A morte da irmã Agnes serve, não apenas para uni-las mais uma vez (sendo que Karin não nutria o menor afeto por Maria), como também para fazer as mesmas refletirem sobre o quão cruel fora a existência de ambas, o quão elas poderiam ter sido mais felizes e menos desgostosas consigo mesmas caso tivessem dado menos valor à posição social e se preocupado em manter uma relação mais afetiva entre si e a irmã moribunda. Concluindo, a fantástica obra de Bergman faz com que todos nós, espectadores, lucubremos sobre o excesso de racionalidade que as vezes conferimos à nossas vidas, a falta de atenção por nós atribuída até mesmo às pessoas mais próximas de nós e, acima de tudo, à submissão moral que nos impõem paradigmas cada vez mais frustrantes.
Os aspectos técnicos do longa também são um primor. Formando uma perfeita aliança entre direção e fotografia (oscarizada, diga-se), Ingmar Bergman e Sven Nykvist realizam um filme visualmente inesquecível. O segundo conclui um trabalho fascinante e confere ao filme o tom angustiante inerente ao tema abordado por este. É surpreendente vermos que, mesmo trabalhando com cores bastante vivas (sobretudo a cor vermelha que é muito utilizada aqui), o mestre da direção de fotografia consiga ainda a façanha de criar um clima cada vez mais pesado, claustrofóbico e depressivo. Bergman, então, dispensa comentários. Seu trabalho aqui é um dos melhores de toda a sua magnífica carreira. Adotando a magistral idéia de trabalhar mais com as imagens do que com os diálogos (assim como Sergio Leone viria a fazer em “Era Uma Vez na América”), o diretor sueco aumenta ainda mais a angústia presente em seu roteiro. O destaque fica por conta dos closes que ele realiza logo no início da obra, onde foca precisamente o ponteiro de vários relógios movimentando-se lentamente, técnica esta que colabora para que o filme nos transmita uma fortíssima dose de agonia logo em seu início.
Talvez a única falha do filme seja a falta de uma abordagem mais complexa no que diz respeito às personagens de Agnes e Anna (esta que, apesar de ser uma mera empregada, se mostrava mais preocupada com a moribunda que as próprias irmãs dela), uma vez que o roteiro destina pouco tempo para explorá-las devidamente (e mesmo que as desenvolva de maneira eficaz nas cenas finais, ainda assim não é o suficiente).

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.

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