segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O Curioso Caso de Benjamin Button - *** de *****

Tudo indica que, mais uma vez, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas irá atribuir o prêmio certo ao filme errado. Ano passado, o excelente “Onde os Fracos Não Têm Vez” derrotou o perfeito “Sangue Negro” (o terceiro filme que mais me agradou nesta década) na disputa do Oscar® de Melhor Filme. Em 2007, o excelente “Os Infiltrados” derrotou o também excelente “Cartas de Iwo Jima” e, mesmo o filme de Martin Scorsese sendo quase tão fantástico quanto o de Clint Eastwood, não resta dúvidas de que o drama de guerra merecia mais o prêmio. Em 2006, amei de paixão a vitória de “Crash – No Limite” sobre os superestimados “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Munique” (favoritos até então), mas confesso que, por mais excelente que tenha considerado o filme de Paul Haggis, fiquei extremamente triste ao ver “Boa Noite, e Boa Sorte”, o melhor dentre todos os concorrentes, ser tão esnobado. Em 2005, o ótimo, embora carregado de clichês e estereótipos, “Menina de Ouro” derrotou o fantástico “O Aviador” (desta vez sim Scorsese merecia vencer Eastwood). Em 2004... bem, em 2004, finalmente houve justiça. Por mais que ame incondicionalmente “Mestre dos Mares – O Lado Mais Distante do Mundo” (conforme o leitor pode comprovar lendo o efusivo texto que escrevi sobre o mesmo há dois anos atrás) e adore “Sobre Meninos e Lobos” e os demais concorrentes ao prêmio de Melhor Filme daquele ano (aliás, para mim, aquela disputa foi a mais forte dos últimos tempos), não restam dúvidas de que “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” realmente merecia o prêmio que acabou levando. Agora em 2009, infelizmente, obras que realmente mereciam concorrer ao Oscar® de Melhor Filme nem ao menos entrarão na disputa. Refiro-me a “O Cavaleiro das Trevas”, “Wall-E”, “A Troca” e até mesmo o ótimo “Vicky Cristina Barcelona”. No lugar destes filmes teremos longas interessantes, mas superestimados, como é o caso de “Slumdog Millionnarie” e deste “O Curioso Caso de Benjamin Button”, cuja análise encontra-se logo mais abaixo.


Ficha Técnica:
Título Original: The Curious Case of Benjamin Button.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.benjaminbutton.com.br/
Nacionalidade: Estados Unidos.
Tempo de Duração: 166 minutos.
Diretor: David Fincher.
Roteiristas: Eric Roth e Robin Swicord, baseado em estória de F. Scott Fitzgerald.
Elenco: Brad Pitt (Benjamin Button), Cate Blanchett (Daisy), Julia Ormond (Caroline), Taraji P. Henson (Queenie), Faune A. Chambers (Dorothy Baker), Elias Koteas (Monsieur Gateau), Donna DuPlantier (Blanche Devereaux), Jacob Tolano (Martin Gateau), Ed Metzger (Teddy Roosevelt), Jason Flemyng (Thomas Button), Tilda Swinton (Elizabeth Abbott), David Ross Patterson (Walter Abbott) , Joeanna Sayler (Caroline Button), Mahershalalhashbaz Ali (Tizzy), Fiona Hale (Sra. Hollister), Patrick Thomas O'Brien (Dr. Rose), Danny Nelson (General Winston), Marion Zinser (Sra. Horton), Paula Gray (Sybil Wagner), Taren Cunningham (Elizabeth Abbott - jovem), Elle Fanning (Daisy - 7 anos), Madisen Beaty (Daisy - 10 anos), Peter Donald Badalamenti II (Benjamin Button - 1928 a 1931), Robert Towers (Benjamin Button - 1932 a 1934), Tom Everett (Benjamin Button - 1935 a 1937), Spencer Daniels (Benjamin Button - 12 anos), Chandler Canterbury (Benjamin Button - 8 anos), Charles Henry Wyson (Benjamin Button - 6 anos).

Sinopse: Benjamin Button (Brad Pitt) é, aparentemente, um típico cidadão estadunidense como outro qualquer. Entretanto, o mesmo conta com uma doença extremamente incomum. Quando nasceu, mesmo tendo o corpo com as mesmas proporções do de um bebê, Benjamin apresentava uma fisionomia e algumas doenças típicas das de um velho de 80 anos de idade. Contudo, quanto mais a sua idade avançava, mais Benjamin rejuvenescia. Com aproximadamente oito anos de existência, o garoto se apaixona por Daisy (Cate Blanchett), porém, a sua má aparência não permite que o mesmo possa ter um relacionamento normal com a garota. Para isso, Benjamin precisa esperar que sua pequena amada envelheça e que ele rejuvenesça para que assim fiquem com aparências semelhantes e possam assumir um relacionamento normal. Mas o que acontecerá com ambos a partir do momento que o rapaz for ficando cada vez mais jovem e a moça cada vez mais velha?

The Curious Case of Benjamin Button - Trailer:

Crítica:

Três únicas vezes em toda a minha vida senti-me completamente transportado para dentro de um filme em virtude de uma determinada cena contida neste. A primeira vez foi em “Dr. Jivago”, quando Yuri Jivago arromba as portas de um palacete e temos uma maravilhosa visão de inúmeros móveis cobertos com gelo. A segunda foi em “O Poderoso Chefão”, durante o simples e belo casamento de Michael Corleone e Apolônia na Sicília. A terceira e última foi em “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”, quando os protagonistas da trama sobem as escadarias de Lothlórien para uma reunião com Galadriel. Essas três cenas foram fortes o bastante para me cativar por inteiro a ponto de fazer com que passasse vários dias sentindo como se as estivesse vivenciando. Passei noites e mais noites sonhando com as mesmas e demorou para que, definitivamente, saíssem de minha cabeça (infelizmente, tinham de sair algum dia).

Tive uma sensação parecida com as supracitadas ao assistir a este “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Há uma cena em especial, quando o protagonista narra o quão mágico um hotel pode ser durante a noite, que simplesmente permaneceu em minha mente durante este último final de semana inteiro. O cuidado que a edição de som tem ao reproduzir os sons do vento uivando, a delicadeza da fotografia, a minuciosidade da direção de arte, o carinho com que o roteiro escolheu as palavras proferidas pelo narrador e, principalmente, a sensibilidade adotada pela direção de Fincher, fizeram com que a simples movimentação de uma cortina me transportasse para o imo da cena. A sensação foi tão mágica que, mesmo encontrando-me em uma temperatura de aproximadamente 20º C, passei dois dias inteiros tendo a deliciosa impressão de estar em um país gélido como a Rússia, mas em um local tão aconchegante como o hotel em que Benjamin Button encontrava-se na ocasião. Só isso já fez com que o filme valesse cada centavo gasto na compra do ingresso.

A sensibilidade conferida a esta mais nova investida cinematográfica de David Fincher (que deverá faturar os principais prêmios durante a noite da cerimônia do Oscar®) é digna de inveja. A estória é cativante do início ao fim e as quase três horas de duração do filme passam imperceptivelmente. Não tem como não nos cativarmos com o personagem de Brad Pitt, e isto não se deve apenas à sensibilidade do filme como também ao modo cuidadoso com que o roteiro o desenvolve. Muitas pessoas certamente irão achar que a trama é repleta de cenas desnecessárias, acontecimentos que pouco têm a acrescentar à estória principal, mas a verdade é que todos estes pequenos detalhes tornam o personagem extremamente real. Note a professora de piano, por exemplo, ela não tem um propósito muito grande no filme, mas não há como negarmos que a mesma confere alguns ingredientes à obra que nos faz, de uma forma ou de outra, estabelecer um elo extremamente enrijecido com Benjamin Button. Por que? Porque torna o personagem mais interessante, torna o personagem mais real.

Mesmo Button contando com uma rara doença, é incrível notarmos como conseguimos nos identificar com ele. O fato deste obter algum contato com inúmeras pessoas que acrescentam pouquíssimas coisas à trama principal só o torna mais real. Afinal de contas, responda-me, caro leitor, quantas pessoas você já conheceu que, através de uma simples conversa, acrescentou algo ligeiramente importante (mas ainda assim importante) a sua vida? Muitas, não é? Pois é, pessoas vêm, pessoas vão, e algumas delas, cujos nomes nem ao menos lembramos, nos conferem experiências que moldam, ainda que seja apenas um pouco, o nosso caráter, o nosso modo de pensar e até mesmo a nossa vida de uma maneira geral. São esses pequenos detalhes, essas pequenas pessoas, esses pequenos incidentes, que fazem de Button um personagem atraente, cativante e marcante.

O desenvolvimento dele então, nem se fale, é sensacional. Suas estórias são simplesmente fantásticas (no duplo sentido da palavra). Acompanhar a trajetória da vida de Button é quase como acompanhar a trajetória de nossas vidas (não fosse pela desnecessária carga fantástica (e agora falo unicamente no sentido literal da palavra), infelizmente, inserida no roteiro). É como assistirmos a uma pessoa qualquer (não fosse pela peculiaridade de sua doença) nascer, crescer e morrer, e é isto que o torna demasiadamente próximo de nós.

Durante três agradáveis horas de projeção somos convidados a testemunhar toda a vida de Button, detalhe por detalhe. É sensacional podermos acompanhá-lo descrevendo as experiências enfadonhas (mas que, para ele, eram maravilhosas) pelas quais passou em um asilo no início de sua vida, ou então a sensação libertária que o mesmo sentiu quando saiu de casa pela primeira vez e foi ao centro de Nova Orleans, ao lado de um conhecido, tomar uma cerveja e observar um lago (a parte em que ele menciona: “___ Aquele havia sido o melhor dia de minha vida, até então!” é triste e, ao mesmo tempo, hilária), ou testemunharmos a paixão que teve por Daisy quando criança (esse sim, um fato que marcaria a sua vida para sempre), ou então presenciarmos a sua primeira experiência sexual, o seu primeiro amor, o seu verdadeiro amor, e outras coisas mais que não descreverei aqui sob pena de estragar prováveis surpresas.

Se há algo em “O Curioso Caso de Benjamin Button” que pode ser considerado extremamente brilhante, é esse cuidado que o mesmo toma com os mínimos detalhes, com estas pequeninas estórias que, juntas, constroem uma existência inteira, afinal de contas, a vida é constituída de pequenos grandes acontecimentos. Veja o exemplo de um amigo meu, um dos melhores dias de sua adolescência foi quando este se trancou no quarto e externou todo o seu sentimento de revolta escutando a banda grunge estadunidense Pearl Jam, enquanto tomava uma única garrafa de cerveja (provavelmente, a primeira de sua vida). Hoje ele é formado em publicidade e trabalha como comerciante. O que a experiência previamente mencionada teve a ver com a “trama principal” de sua vida? Nenhuma. No entanto, há como negar que a mesma marcou, de uma forma ou de outra, a sua existência? Se tal experiência não tivesse conferido a menor importância sequer a este, ele certamente não teria se aberto comigo e mencionado o ocorrido, não é mesmo? O leitor entende agora o porquê insisti tanto que as pequenas experiências vivenciadas por Benjamin Button estabelecem um grande elo entre ele e o espectador?

É lamentável, porém, percebermos que um roteiro tão bem escrito apele tanto à fantasia. Certa vez Friedrich Wilhelm Nieztsche disse: “Uma obra de Arte só é verdadeiramente bela quando esta obedece aos limites da razão”. Concordo plenamente. A obra roteirizada por Eric Roth é indiscutivelmente bela, mas foge completamente da razão. Quando critiquei “O Encouraçado Potenkim” lembro-me de ter citado que, dentro dos limites da Arte, um filme só poderia aderir à fantasia caso criasse um mundo paralelo para tal (conforme ocorre com “O Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”) e utilizasse o mesmo para estabelecer metáforas relacionadas ao nosso mundo (neste caso “Harry Potter” seria desclassificado, não fosse o respaldo de ser um filme infantil). Veja Marc Chagal, por exemplo. Quando este criou a Arte Fantástica (ou Nostálgica, caso o leitor prefira), ele fazia ambas as coisas com muita frequência, tanto que admite que muitos de seus quadros foram extraídos de sonhos que teve e que representaram grande importância em sua vida. Em “O Curioso Caso de Benjamin Button” nada disso acontece.

O fato de Button nascer velho e ir, literalmente, rejuvenescendo conforme a sua idade vai avançando, conta com algumas metáforas e não deixa de ter um propósito dentro da estória, além, é claro, de aumentar muito a dramaticidade desta e a carga reflexiva que ela exerce sob o espectador, mas não há como negar o excesso de absurdo da mesma. É claro que não existe um único filme criado até os dias atuais capaz de ser completamente plausível de ser absorvido em um contexto real (ah, como eu adoro utilizar esta frase!), mas o novo longa de Fincher extrapola os limites do aceitável. Se ao menos o roteiro buscasse uma justificativa realmente plausível para o que acontece, mas nem isso ele tenta fazer, ou melhor, tenta, mas não convence. E caso o leitor venha me dizer que o fenômeno ocorrido com Button se trata de uma idéia original criada pelo roteiro, peço para que assista a um de meus filmes prediletos quando criança: “História Sem Fim” (que, por sinal, é um filme que também respeita os limites da Arte Fantástica) e testemunhe que, de original, a trama não tem é nada.

Aliás, não só a trama como o filme em si conta com pouquíssima originalidade. É triste notarmos como, a todo o momento, “O Curioso Caso de Benjamin Button” cai no lugar comum. Vide o começo do filme para se ter uma idéia. Logo de cara a obra nos introduz a um clássico plano clichê. Iniciamos em um hospital com uma pessoa à beira da morte (clichê número um), esta pessoa é uma velha senhora que possui um diário guardado a sete chaves que conta uma estória extremamente estranha (clichê número dois). A velha tem um último desejo antes de falecer (clichê número três): que a filha leia a estória toda para ela (clichê número quatro). Pois como o leitor pode notar, em apenas cinco minutos de projeção “O Curioso Caso de Benjamin Button” conta com quatro clichês, e é claro que, durante o desenrolar da película, mais clichês imperdoáveis vão aparecendo: temos o pai que abandona o filho recém-nascido, a pobre moça caridosa que adota a criança, a paquerinha de infância do protagonista que, futuramente, viria a se tornar o grande amor de sua vida. Enfim, a enxurrada de clichês é tão intensa que o filme se torna previsível.

Não bastasse tudo isso, o longa ainda se mostra redondinho demais para a atualidade. É lastimável notarmos que, mesmo nos dias de hoje, quando os filmes tendem a ser cada vez mais crus e realistas, Hollywood ainda invista em uma produção moralmente correta, fora a hipocrisia contida na mesma. Tudo funciona maravilhosamente bem na vida de Benjamin Button, tudo é muito bonitinho, muito corretinho, são raras as decepções que este acaba passando, e quando passa por alguma, o roteiro dá um jeito de concertá-la. Oras, onde está aquele Eric Roth que incluiu no roteiro do ótimo “Forrest Gump – O Contador de Histórias” uma cena onde um garoto é apedrejado pelo simples fato de ser diferente? A propósito, onde está aquele David Fincher angustiado que dirigiu “Seven – Os Sete Crimes Capitais”? Onde está aquele David Fincher revoltado que dirigiu “Clube da Luta”? Onde está aquele David Fincher pessimista que dirigiu “Zodíaco”? Pois é, “morreu” dirigindo um filme água com açúcar chamado “O Curioso Caso de Benjamin Button”.

No saldo final, “O Curioso Caso de Benjamin Button” definitivamente conta com uma infinidade de erros imperdoáveis, que variam desde a dificuldade que este encontra para estabelecer limites entre a fantasia e a realidade, até a sua composição extremamente açucarada (exceto a um drama ou outro pelo qual o personagem sofre), passando pelo uso abusivo de clichês e estereótipos que o torna ligeiramente previsível. O filme, no entanto, é belíssimo (mesmo fugindo dos conceitos artísticos estabelecidos por Nieztsche). Por mais que a estória seja fortemente tola, não há como não nos enlaçarmos com a mesma e, sobretudo, com o seu personagem principal (a atuação sensacional de Pitt colabora muito para tal). Button cativa, Button emociona, Button, por várias vezes, lembra uma pessoa comum, uma pessoa que está diariamente ao nosso lado. O filme é altamente sensitivo, nos transporta para o coração da trama, inala toda a sua essência. Sua parte técnica então é perfeita. A direção de arte nos remete facilmente às épocas que almeja retratar, a fotografia transforma o longa em um dos espetáculos visuais mais belos já vistos ultimamente (e confesso que desde “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” uma fotografia se mostrava capaz de agradar-me tão veementemente) e a maquiagem é digna do Oscar® que obviamente irá ganhar, afinal de contas, você acha que é fácil transformar a face de uma criança em algo parecido com uma uva passa?

Uma verdadeira pena que, com tantas qualidades visíveis, “O Curioso Caso de Benjamin Button” venha a cometer erros tão infantis. Pior ainda é notar que tais erros foram cometidos por dois profissionais extremamente competentes, Roth e Fincher.

É, pelo visto o Oscar® deste ano será um dos mais superestimados de todos os tempos. Imaginou se, embalada pelo prêmio de Melhor Filme que a obra estrelada por Brad Pitt obviamente irá faturar, a indústria cinematográfica passar a produzir apenas filmes deste naipe? É, meus amigos, aí Daniel Esteves de Barros deixará de analisar filmes recentes e será mais outro cinéfilo saudosista que passará unicamente a se dedicar a filmes de cineastas como Kubrick, Scorsese, Fellini, Antonioni, Bergman, Renoir, Godard, Truffaut, Bresson, Kurosawa, Rocha, Eisenstein, entre outros.

Avaliação Final: 6,5 na escala de 10,0.

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