quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Violência Gratuita (2008) **** de *****

Não sou um grande fã de filmes sádicos e com teor altíssimo de violência, em especial quando tal violência pode ser indicada como “gratuita”, ou desnecessária. Sendo assim, detesto a maior parte dos filmes de suspense e horror que alicerçam o seu roteiro nas gigantescas quantias de sangue derramadas durante o seu desenrolar. É justamente por este motivo que eu não almejava assistir a este “Violência Gratuita” e só o fiz por motivos profissionais. Contudo, não há como negar que o mesmo se revelou uma grata surpresa. Em primeiro lugar, o longa é realmente tenso e assustador, em segundo lugar, é um filme narrativamente inovador e está muito além de baboseiras como “O Albergue” e, em terceiro e último lugar, o mesmo se revela uma crítica extremamente bem feita ao modo como a violência é vendida a nós através da Arte (principalmente, através da Televisão e Cinema) e à maneira como esta “venda” influencia nossas vidas negativamente.

Ficha Técnica:
Título Original: Funny Games.
Gênero: Suspense.
Ano de Lançamento: 2008.
Nacionalidade: Estados Unidos / França.
Tempo de Duração: 111 minutos.
Diretor: Michael Haneke.
Roteirista: Michael Haneke.
Elenco: Naomi Watts (Ann), Tim Roth (George), Michael Pitt (Paul), Brady Corbet (Peter), Devon Gearhart (Georgie), Boyd Gaines (Fred), Siobhan Fallon (Betsy), Robert LuPone (Robert), Susanne C. Hanke (Cunhada de Betsy) e Linda Moran (Eve).

Sinopse: Uma família rica e aparentemente feliz recebe a visita inesperada e indesejada de dois indivíduos sádicos e perturbados que os seqüestram e passam a externar os seus instintos primitivos e psicóticos realizando um doentio jogo onde as chances dos “mocinhos” da estória escaparem com vida são mínimas.

Funny Games – Trailer:


Crítica:

É difícil avaliar este “Violência Gratuita” da mesma forma que eu avaliaria um filme convencional, pois, para ser sincero, não creio que o mesmo assuma tal formato. A refilmagem quadro-a-quadro da obra-prima de Michael Haneke se revela, na realidade, uma espécie de folder impresso com o intento de ilustrar a seu público alvo uma campanha antiviolência. Afinal de contas, como poderíamos encarar como filme uma obra cinematográfica onde o vilão olha para a câmera duas vezes e conversa diretamente com o público? Pior ainda, como poderíamos encarar como filme uma obra cinematográfica onde o vilão, a fim de evitar a morte de uma pessoa, usa um controle remoto para rebobinar o longa e evitar que isto aconteça? Pois é, esta é a prova definitiva de que “Violência Gratuita” foi uma obra cinematográfica feita para não ser analisada como um filme comum, e sim como uma mera crítica à maneira como a violência é utilizada com o intento de preencher os vazios existenciais nas patéticas vidas das pessoas comuns (no caso, nós mesmos, simples mortais).

O filme é, acima de tudo, um estudo sobre o modo como a violência gera ainda mais violência. Vide o intróito da película, para se ter uma idéia do que estou tentando afirmar. Começamos com alguns ovos que se quebram, em seguida temos um tapa no rosto, logo após um golpe desferido por um taco de golfe e, quando nos damos conta, uma família inteira é aprisionada e torturada por uma dupla de jovens sádicos que arquitetaram toda aquela situação.

Olhando por este prisma, podemos notar que toda a violência inserida no filme teve o seu início por um motivo pífio, no caso, por uns quatro ovos que se quebraram no chão. E por mais que a situação supracitada tenha sido voluntariamente planejada pelos delinqüentes, não há como não ligarmos o fato abordado nas telonas com a grande parte dos assassinatos ocorridos diariamente. Tomemos por exemplo uma reles batida de carro. Quantas pessoas, aparentemente inofensivas, já não cometeram homicídios apenas por terem o seu carro amassado por um outro indivíduo?

Outra questão abordada pelo filme é o modo como nos cativamos com a violência demonstrada na televisão e nos cinemas, muitas vezes exibidas de maneira amplamente maquiada. Vide desenhos animados como “Pica-Pau”, “Tom & Jerry” e “Beavis & Butt-Head” (e não é a toa que os vilões do filme utilizam os nomes dos protagonistas do desenho da MTV a fim de se alcunharem) que, aparentemente, se mostram inofensivos, quando na verdade, de uma forma ou de outra, faz a violência soar divertida aos olhos de quem os assiste (e não é involuntária a magnífica decisão do roteiro em inserir diálogos no filme do tipo: “___ A violência pode ser divertida!”).

No entanto, o que podemos esperar de uma criança que acha normal e divertido o sadismo empregado pelo Pica-Pau ou pelo rato Jerry? Pois é, podemos esperar que tal criança cresça vendo produções como estas e que vá se acostumando, cada vez mais, com a violência empregada de forma ainda mais enérgica e desumana em imbecilidades como “Jogos Mortais” (exceto o primeiro episódio que apresenta uma justificativa convincente para tudo o que está acontecendo ali) e “O Albergue”.

O roteiro prima também por ser extremamente realista a ponto de, em momento algum, se render aos maneirismos hollywoodianos e tentar agradar as pessoas que estão assistindo ao longa. Não espere aqui um final feliz e amarradinho, isto faria com que toda a mensagem que o filme almeja nos passar fosse por água abaixo. “Violência Gratuita” foi escrito e filmado com o intento de chocar, de nos deixar abismados, de fazer com que sintamos repugnância por ele e pelos demais filmes do gênero. Ao invés do final convencional, temos aqui um desfecho revoltante, mas aí fica a pergunta no ar: como seria na vida real?

Se uma dupla de jovens delinqüentes, que passou a vida toda consumindo a violência vendida pela televisão, a ponto de tornarem-se sádicos e cruéis ao extremo, seqüestrasse você e o restante de sua família e os mantivesse aprisionados em um cativeiro distante de toda a civilização, quais as chances de vitória que vocês teriam? Exato, é triste termos de admitir, mas as chances seriam mínimas. Gostaria também de perguntar ao estimado leitor quantos seqüestros, arquitetados por pessoas que cresceram em um ambiente violento proporcionado pela televisão, não tiveram um final infeliz na vida real? Pois é, é triste, mas real e devemos encarar tal fato de frente.

No mais, além de realizar soberbamente uma abordagem filosófica e sociológica sobre a violência, Haneke se mostrou capaz de criar um suspense verdadeiramente tenso, inovador e original. Sua direção é soberba e conta com ângulos excepcionais e o elenco se mostra fantástico e extremamente entrosado. O longa só falha no que diz respeito à falta de propósito de sua existência, uma vez que, em 1997, o mesmo Michael Haneke roteirizou e dirigiu um filme com o mesmo nome, a mesma estória, os mesmos personagens, enfim, um filme exatamente igual a este, quadro a quadro, dialogo a dialogo, centímetro a centímetro. Seria isso uma empreitada realizada com o intento de fazer com que o publico estadunidense vá aos cinemas assistir a sua obra-prima falada na língua da terra do Tio Sam, uma vez que, de tão vagabunda e preguiçosa que aquela raça é, eles raramente assistiriam ao longa original pelo simples fato deste ser legendado? Pode apostar que sim.

Avaliação Final: 8,0 na escala de 10,0.

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