segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Hellboy II - O Exército Dourado - **** de *****

Creio que pela milionésima vez em minha vida repito que não sou, e nunca fui, muito menos pretendo ser, um grande admirador de histórias em quadrinhos. Refletindo muito ultimamente a respeito disso, cheguei à conclusão de que isto se deva, talvez, ao fato de o maior representante de tal forma de literatura ser um personagem politicamente correto demais, além de reavivar o sonho estadunidense e, é claro, utilizar uma fantasia ridícula, cuja cueca vermelha é posta sobre uma vestimenta gritantemente azul (quer algo mais americanizado que isso?). Entretanto, não há como negar que Hellboy, apesar de conter inúmeras falhas e não chegar aos pés de um Batman, se revela um super-herói muito mais interessante que o já mencionado Superman. A criatura, de autoria de Mike Mignola, além de conter uma aparência extremamente grotesca (divergindo do estereotipo do super-herói bonitão e gostosão) é politicamente incorreta e possui diversas falhas em seu caráter, fora o fato de ser odiada pelas próprias pessoas que solicitam a sua ajuda para salvá-las. Isso, é claro, sem mencionar todo mistério e mitologia que envolvem o passado, o presente, e o futuro do protagonista da série. Imagine então um material destes, que já conta com aspectos o suficiente para dar fortes asas à imaginação de seus leitores, somado à criativa mente do mexicano Guilhermo del Toro que, além de ser o responsável por obras fantásticas (em todos os sentidos da palavra) como “O Labirinto do Fauno” e “A Espinha do Diabo”, é fã incondicional de “O Senhor dos Anéis” (tanto que irá dirigir o prólogo deste: “O Hobbit”) e também de mitologia nórdica. Pois é, creio que o leitor já deva ter percebido que, com um roteirista e um diretor como este, “Hellboy II - O Exército Dourado” não poderia deixar de ser um filme menos do que interessante, correto? Correto, mas com algumas ressalvas, conforme o leitor poderá conferir logo mais, na crítica do filme.

Ficha Técnica:
Título Original: Hellboy II – The Golden Army.
Gênero: Aventura / Ação / Fantasia.
Tempo de Duração: 120 minutos.
Ano de Lançamento (EUA / Alemanha): 2008.
Site Oficial: http://www.hellboyiioexercitodourado.com.br/
Estúdio: Revolution Studios / Lawrence Gordon Productions / Dark Horse Entertainment.
Distribuição: Universal Pictures.
Direção: Guilhermo del Toro.
Roteiro: Guilhermo del Toro, baseado em estória de Mike Mignola.
Produção: Lawrence Gordon, Lloyd Levin, Mike Richardson e Joe Roth.
Música: Danny Elfman
Direção de Fotografia: Guillermo Navarro.
Desenho de Produção: Stephen Scott.
Direção de Arte: Peter Francis, Anthony Caron-Delion, John Frankish, Paul Laugier, Mark Swain e Judit Varga.
Figurino: Sammy Sheldon
Edição: Bernat Vilaplana. Efeitos Especiais: Spectral Motion Inc. / DDT SFX Crew / DDT SFX Team / Ivo Coveney.
Elenco: Ron Perlman (Hellboy), Doug Jones (Abraham Sapien / Anjo da Morte), Selma Blair (Liz Sherman), James Dodd (Johann Klauss), John Alexander (Johann Klauss), Seth MacFarlane (Johann Klauss - voz), Luke Goss (Príncipe Nuada), Anna Walton (Princesa Nuala), Jeffrey Tambor (Dr. Tom Manning), John Hurt (Prof. Bruttenholm), Brian Steele (Sr. Wink), Roy Dotrice (Rei Balor), Andrew Hefler (Agente Flint), Iván Kamarás (Agente Steel), Mike Kelly (Agente Marble) e Montse Ribé (Jovem Hellboy).

Sinopse: Houve uma época em que o Homem convivia com seres mágicos das mais diversificadas espécies. Entretanto, devido à ganância humana, tal convívio jamais poderia ser concretizado de modo harmonioso. A fim de parar os exércitos humanos, que a tudo destruíam e conquistavam em nome do poder, fortuna e conhecimento, Balor, Rei dos Elfos, a pedido de seu filho, o Príncipe Nuada, aceitou uma oferta feita pelo mestre dos Goblins Negros de construir um gigantesco e indestrutível exército mecânico dourado e derrotar, definitivamente, o exército dos homens, encerrando de uma vez por todas, a carnificina promovida por estes. Junto com o exército, foi entregue ao rei uma coroa mágica dourada que poderia controlar toda a armada. Após derrotar todas as resistências humanas, Balor se mostrou altamente assustado com o poder de destruição de tal exército e, temendo que o mesmo fugisse de seu controle, optou por travar um tratado de paz com os humanos, onde ele dividiria a coroa mágica em três partes, daria uma aos humanos e duas ficariam consigo mesmo, fazendo com que, desta forma, o poderoso exército se mantivesse adormecido ao longo dos anos. Contrariado, temendo com que os humanos jamais cumprissem tal tratado, o Príncipe Nuada abandona o seu reino, ao lado de seu pai, e se refugia nas florestas, para retornar quando o seu povo mais precisasse dele. Passa-se diversos séculos desde a trégua travada entre Homens e Criaturas Mágicas, e Nuada volta para furtar os três pedaços da coroa e uni-las, reativando dessa forma, o poderoso exército, com o intuito de exterminar a raça humana que, segundo o príncipe, descumpriu o trato e voltou a causar risco ao mundo devido à sua ganância. Para evitar que Nuada ponha em risco o seu plano, os heróis: Hellboy, Abraham Sapien, Liz Sherman, Johann Krauss e a Princesa Nuala, irmã do Príncipe Nuada, cuja ideologia é bem menos radical à do irmão, juntam as suas forças para protegerem o pedaço da coroa que ainda não está em poder do rancoroso elfo.

Hellboy II - The Golden Army - Trailer:

Crítica:

“Hellboy II - O Exército Dourado” pode, durante o seu primeiro ato inteiro, ser subdividido em dois filmes com diferentes propósitos. O primeiro visa narrar a dinâmica desenvolvida entre os heróis do longa, ao passo que o segundo, narra os eventos que se mostram imprescindíveis para o desenvolvimento da trama. Antes o filme tivesse optado por colocar o “segundo filme” em primeiro plano. Não, em momento algum insinuei que o desenvolvimento dos protagonistas do filme é dispensável, até mesmo porque, apesar destes já terem sido muito bem desenvolvidos no longa anterior, era necessário que o roteiro elaborasse, ao menos, uma dinâmica entre os personagens, e isso ele faz muito bem feito, diga-se.

Contudo, o argumento do longa é tão interessante (uma vez que este conta até mesmo com mitologia nórdica mesclada à estória principal) que o mesmo deveria ter tido um desenvolvimento infinitamente maior do que o que fora apresentado aqui. Outra característica que merecia ter sido desenvolvida de uma maneira bem mais ampla pelo roteiro é o vilão do longa, o Príncipe Nuada. Nuada é mais um destes antagonistas megalomaníacos que almeja dominar o mundo a todo o custo, mas há uma explicação extremamente plausível para tal megalomania: o vilão não ambiciona poder e/ou fortuna (assim como a grande maioria dos vilões da excelente, embora falha, franquia “007”), mas sim, salvar o planeta Terra dos seres humanos.

Sim, o vilão, encarnado por Luke Goss de maneira caricata, diga-se, tem como objetivo de vida dominar o mundo para exterminar a raça humana, impedindo, dessa forma, que a mesma destrua o planeta em que vive, conforme tem feito nos últimos séculos. Se “Hellboy II” tem uma qualidade que o difere das demais obras do gênero, tal qualidade reside justamente nos motivos que impulsionam o seu antagonista a agir de tal forma. Francamente, creio que seja extremamente difícil não nos cativarmos e, ouso até mesmo dizer, não torcermos para que um opositor destes não derrote os mocinhos da estória, afinal de contas, seus propósitos são, de certa forma, heróicos e autruístas. Contudo, conforme já fora previamente mencionado, é lastimável que o roteiro não aborde Nuada de um modo mais amplo e dramático, fazendo com que o espectador possa se relacionar de um modo ainda mais profundo do que já se relaciona com o mesmo.

Os demais personagens também são extremamente interessantes. Hellboy, a princípio, se mostra um sujeito capaz de causar repulsas ao espectador devido ao fato de ser um brutamontes completamente idiota e adepto ao emprego de violência na obtenção de informações. Contudo, durante o desenrolar da trama, tomamos ciência do destino o qual a criatura está fadada e isto, de uma maneira ou de outra, faz com que perdoemos as características reacionárias do “herói”, já que estas irão ter uma participação direta no fado da criatura.

Liz Sherman é outra personagem cujo desenvolvimento também é extremamente bem realizado embasando-se na dinâmica desenvolvida entre esta e um outro personagem, no caso, o próprio Hellboy, parceiro romântico da mesma no filme. O romance entre ambos é abordado de maneira deveras satisfatória, os alívios cômicos provenientes deste também são bem convincentes (“___Eu daria a vida por ela, mas ela ainda quer que eu lave os pratos!”, só para citar um exemplo) e a forte e, ao mesmo tempo, frágil personalidade (assim como em todas as mulheres) de Sherman é desenvolvida maravilhosamente bem quando esta se encontra ao lado de seu par romântico, além, é claro, da química entre ambos torná-la uma personagem mais humana (e a ele também).

No entanto, é o extremamente racional Abe Sapien quem acaba sendo desenvolvido de um modo mais interessante pelo roteiro do filme. Além de ser responsável pela maior parte das gags que realmente funcionam no longa, o roteiro sempre cria situações que testam a personalidade do alienígena. Vide as cenas onde este se vê obrigado a utilizar a força bruta, por exemplo. Acostumado sempre a utilizar a inteligência como auto-defesa (e neste quesito ele funciona como amálgama a Hellboy, uma vez que a bizarra criatura vermelha não é das mais inteligentes e necessita de alguém que o complete neste quesito), Abraham se sente como uma criança indefesa quando não se vê capaz de utilizá-la em situações que exigem pura força bruta.

Entretanto, o mesmo roteiro que acerta no desenvolvimento de Sapien, falha gravemente ao tentar criar um par romântico ao mesmo. Além de ser piegas, seu romance consome alguns longos minutos do filme e é irritante e dispensável. Ao menos o ser pelo qual Abraham passa a nutrir um forte afeto tem uma saída bastante inesperada no desfecho da trama e isso faz com que a carga dramática inserida no final do filme aumente bastante.

Não menos racional que Sapien é o novato Johann Krauss que, logo de cara, assume a liderança da equipe. A composição de Krauss é fantástica e suas vestimentas nos remetem à lembrança dos trajes utilizados pelos alienígenas que compunham as antigas séries japonesas produzidas para televisão (e quem jamais pôde acompanhar tais séries, para que se tenha uma noção do que estou mencionando, pode muito bem observar um exemplar destes alienígenas inserido no clipe “Testify” da ótima banda californiana Rage Against the Machine, facilmente encontrado no Youtube).

O tom de voz que o ator Seth Macfarlane empresta ao personagem é muito conveniente e confere ao mesmo o sotaque alemão necessário para a constituição deste. Os trejeitos desajeitados de Krauss também são bastante engraçados e contam muitos pontos a favor da caracterização do indivíduo. A única ressalva que faço ao personagem é justamente à composição física (e desta vez me refiro à composição física, e não artística e/ou dramática conforme havia mencionado a pouco) deste. Krauss é, na realidade, um espírito que utiliza uma roupa confeccionada pelo Prof. Bruttenholm, cujo interior ajuda a manter todo o seu ectoplasma concentrado. Pois é, mais absurdo que isso, impossível.

A direção de del Toro, por sua vez, parece alternar entre altos e baixos. Ao mesmo tempo em que o diretor se vê capaz de utilizar a excelente direção de arte de Peter Francis, a fim de dar vida a seres para lá de interessantes (como é o caso do monstro gigantesco que, sempre que ferido, deixa um curioso rastro verde no chão que logo se converte em um majestoso limbo) e a lugares extremamente criativos (como é o caso do Mercado Negro dos Trolls), o mesmo não se vê capaz de criar ângulos realmente interessantes enquanto conduz as seqüências de ação, fato que, certamente, dramatizaria muito mais as mesmas.

E já que as tais seqüências de ação foram levemente arranhadas no parágrafo acima, nada mais correto e conveniente do que destrinçá-las aqui, uma vez que, sejamos francos, as pessoas que vão aos cinemas assistir a este “Hellboy II - O Exército Dourado” almejam, acima de tudo, serem consumidos por uma ação realmente cativante. Se há um ponto forte nas seqüências de ação do filme em questão, este reside na distribuição destas ao longo da obra, fato que faz com que o mesmo jamais se torne cansativo.

Entretanto, se há um ponto fraco inserido no contexto destas, este diz respeito à composição quase invulnerável do protagonista do filme. São raras as cenas onde presenciamos Hellboy correndo sério risco de vida. Até mesmo quando o protagonista do longa enfrenta criaturas maiores e, aparentemente, mais fortes do que ele, tais embates acabam revelando-se curtos demais e carentes de forte emoção, como é o caso das cenas onde o super-herói enfrenta a gigantesca criatura verde (que já fora citada) e o monstruoso Sr. Wink (que acaba saindo de cena bem mais cedo do que realmente deveria).

Contudo, a ausência de real periculosidade que Hellboy enfrenta nas seqüências de ação contidas nos primeiro e segundo atos, é parcialmente compensada durante o seu terceiro ato, quando o personagem passa a correr total e real risco de vida (em uma cena, em particular, este quase vem ao óbito), fato que acaba cativando o espectador.

Tendo como maior argumento a seu favor os motivos pelos quais o seu principal antagonista é impulsionado, “Hellboy II - O Exército Dourado” acaba falhando ao não desenvolver de uma forma mais ampla e complexa o vilão da estória, extraindo assim uma atuação involuntariamente caricata por parte de Luke Goss. Em contrapartida, os demais personagens do filme são explorados de um modo deveras satisfatório, em especial no que diz respeito à dinâmica efervescida entre eles, e todos os demais atores rendem atuações convincentes. A direção de Guilhermo del Toro é satisfatória, principalmente quando utiliza a soberba direção de arte de Peter Francis a fim de dar vida a criaturas e locais verdadeiramente fantásticos (e neste caso, a palavra “fantásticos” assume caráter ambíguo), mas o diretor falha ao não conseguir criar ângulos realmente cativantes com a sua câmera, algo que poderia dar mais vivacidade às cenas de ação inseridas no longa. E falando em tais seqüências de ação, é uma pena que as mesmas, apesar de serem muitíssimo bem distribuídas ao longo da projeção, não consigam cativar tanto durante os dois primeiros atos, uma vez que raramente põem em risco à vida do protagonista. Os alívios cômicos inseridos no longa são outros aspectos que alternam entre altos e baixos, mas funcionam muito bem em sua grande maioria (como maior exemplo disto cito um diálogo carregado com um excelente humor negro inserido no roteiro: “___ Eu não sou um bebê, eu sou um tumor!”). Mesmo com muitas falhas, “Hellboy II – O Exército Dourado” se revela uma ótima opção para o fim de semana.

Avaliação Final: 7,5 na escala de 10,0.

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