domingo, 30 de novembro de 2008

Boa Noite, e Boa Sorte - ***** de *****

Assisti a este filme, junto de um amigo meu, durante este último mês de julho enquanto encontrava-me de férias universitárias. Segundo este meu amigo, o filme era obrigatório a todas as pessoas que se dizem apaixonadas por Direito Processual Civil (o que não é o meu caso, já que faço curso de Direito, mas confesso não nutrir a menor paixão pelo mesmo, diferentemente dele que cursa e ama incondicionalmente a matéria) e por Jornalismo (este sim um curso que me atrai muito mais e passará a ser prioridade minha assim que encerrar a faculdade de Direito). Enfim, locamos o filme e durante uma noite de terça assistimos ao mesmo. Confirmei que o longa era realmente quase tão sensacional quanto ele afirmara, com a diferença de que não achei-o perfeito, conforme o leitor poderá conferir no texto a seguir.

Ficha Técnica:
Título Original: Good Night, and Good Luck.
Gênero: Drama.
Tempo de Duração: 93 minutos.
Ano de Lançamento (EUA): 2005.
Estúdio: Warner Independent Pictures / 2929 Productions / Redbus Pictures / Section Eight Ltd. / Metropolitan / Participant Productions / Davis-Films / Tohokashinsha Film Company Ltd.
Distribuição: Warner Bros.
Direção: George Clooney.
Roteiro: George Clooney, baseado em roteiro de Grant Heslov.
Produção: Grant Heslov.
Fotografia: Robert Elswit.
Desenho de Produção: James D. Bissell.
Direção de Arte: Christa Munro.
Figurino: Louise Frogley.
Edição: Stephen Mirrione.
Elenco: David Strathairn (Edward R. Murrow), Robert Downey Jr. (Joe Wershba), Patricia Clarkson (Shirley Wershba), Ray Wise (Don Hollenbeck), Frank Langella (William Paley), Jeff Daniels (Sig Mickelson), George Clooney (Fred Friendly), Tate Donovan (Jesse Zousmer), Thomas McCarthy (Palmer Williams), Matt Ross (Eddie Scott), Reed Diamond (John Aaron), Robert John Burke (Charlie Mack), Grant Heslov (Don Hewitt), Alex Borstein (Natalie) e Rosie Abdoo (Millie Lerner).

Sinopse: Edward R. Morrow (David Strathairn) é um âncora de TV que, em plena era do macarthismo, luta para mostrar em seu jornal os dois lados da questão. Para tanto ele revela as táticas e mentiras usadas pelo senador Joseph McCarthy em sua caça aos supostos comunistas. O senador, por sua vez, prefere intimidar Morrow ao invés de usar o direito de resposta por ele oferecido em seu jornal, iniciando um grande confronto público que trará consequências à recém-implantada TV nos Estados Unidos.

Good Night and Good Luck – Trailer:

Crítica:

Filmes do tipo “Boa Noite e Boa Sorte” representam o estilo de filme que eu mais detesto criticar. Assim como “Forrest Gump – O Contador de Estórias”, “Chinatown” e “Nascido Para Matar”, este longa bem dirigido por George Clooney não possui um defeito propriamente dito, mas ainda assim não pode ser rotulado como “perfeita obra-prima” (apesar de eu reconhecer que ele possa ser rotulado como uma “pequena obra-prima”, mas nada além disso). Sei que está soando exacerbadamente paradoxal de minha parte afirmar que um filme, apesar de não possuir defeitos, não poder ser considerado perfeito, mas foi a estranha sensação que tive ao assistir a este “Boa Noite e Boa Sorte” e, sinceramente, não há sensação que me cause mais incômodo na condição de crítico de Cinema do que esta.

“Boa Noite e Boa Sorte” é um filme dificílimo de ser analisado, principalmente na pele de um brasileiro que não está completamente a par dos acontecimentos que se sucederam na época (e mesmo pesquisando bastante a respeito do protagonista do longa (encontrei, inclusive, no site Wikipédia, um texto em inglês e de seis páginas de Word (ou Open Office, caso o usuário utilize o Linux como Sistema Operacional) sobre a vida deste), não obtive tanta informação quanto gostaria de ter obtido a fim de me possibilitar um prévio conhecimento de causa antes de analisar o filme em si (algo que sempre faço antes de assistir a um filme histórico, ou uma biografia, como é o caso desta obra). E falando nisso, talvez seja este o maior, ou provavelmente o único, problema com o filme: o fato de seu foco estar voltado mais aos seus contemporâneos do que ao restante da população mundial.

Sim, da mesma forma como “Forrest Gump – O Contador de Estórias” (que em uma grande ironia citei no intróito deste texto) se mostra um filme voltado mais à população estadunidense (já que o restante da população mundial não conhece, necessariamente, a estória daquele país asqueroso nos mínimos detalhes), “Boa Noite e Boa Sorte” conta com a mesma falha: se revela um filme feito de estadunidenses para estadunidenses. “___ Mas qual o problema nisso?” ___ Me pergunta o leitor. O problema é que o longa não conseguiu definir o seu público alvo. “Boa Noite e Boa Sorte” foi um filme vendido para o mundo todo, só que o roteiro esqueceu-se de que pouquíssimas pessoas têm um prévio conhecimento da estória que irá abordar, sendo assim, o filme simplesmente arremessa o espectador na trama e proporciona duas opções a este: ou ele se familiariza com a mesma (que no meu caso, acabou dando certo, pois adoro jornalismo político (conforme citei na pré-crítica) e já havia tido um prévio, embora não suficiente, estudo sobre o protagonista) ou simplesmente desiste de tentar compreender o que está assistindo, o que é uma pena, tendo em vista que o filme é extraordinário.

Explicando o meu raciocínio de maneira exemplificada, diria que o longa não faz como “Tróia” (e confesso ser uma heresia comparar uma porcaria épica destas com o sensacional longa de George Clooney, mas a analogia torna-se necessária aqui), por exemplo, onde temos uma prévia explicação antes do intróito do filme sobre o que se passava naquela época e os motivos pelos quais os personagens do filme encontravam-se naquela situação. Talvez o roteiro deste “Boa Noite e Boa Sorte”, apesar de ser voltado a um público mais intelectual ao de “Tróia”, devesse ter realizado algumas explanações sobre o período em que os Estados Unidos da América se encontrara naquela época: a caça às bruxas organizada pelo repugnante senador do estado do Wisconsin: Joseph McCarthy e à maneira como Edward R (‘R’ de Roscoe) Murrow conduziu uma série de reportagens e comentários que conduziram à cassação do mandato do mesmo.

Traçando um perfeito paralelo à situação em que os Estados Unidos se encontravam na época de seu lançamento (refiro-me à impossibilidade de um estadunidense ir de encontro aos ideais de um dos piores presidentes da história dos Estados Unidos da América, o incompetente George W. Bush, e ser alcunhado de simpatizante do terrorismo), o longa merece ser aplaudido de pé por trazer à tona a polêmica discussão entre o senador e o jornalista supracitados. E por mais fria que seja a postura adotada pelo longa a fim de retratar tal disputa (afinal de contas, a obra não poderia, sob hipótese alguma, deixar de ser parcial), não há como não se empolgar com o mesmo, principalmente quando este se volta às críticas que Murrow realiza contra McCarthy em seu programa See It Now e o roteiro magnificamente bem escrito por George Clooney, baseado em um outro roteiro composto por Grant Heslov, se mostra imprescindível para a elaboração de tal teor político da trama, já que os diálogos por ele apresentados são secos, ríspidos, ácidos e altamente aprofundados, além de realçarem bastante a tensa discussão política sugerida.

Mas as qualidades do roteiro não se resumem apenas aos diálogos entre os personagens do longa, ou aos monólogos proferidos por Murrow, ou ainda ao forte clima de tensão política abordada aqui. O trabalho de Clooney como roteirista também prima por explorar o seu protagonista da maneira mais eficaz o possível, abordando Murrow da maneira como ele realmente era: um sujeito extremamente sério, comprometido com o serviço, intrépido e um apaixonado pela defesa dos direitos cívicos.

A atuação de David Strathairn como Edward R. Murrow também não poderia ser mais concisa e real. Adotando aqui uma composição que muito me remeteu à frieza de Al Pacino como Michael Corleone em “O Poderoso Chefão – Parte II” e à facilidade de disparar diálogos ásperos de Humphrey Bogard em “Casablanca”, encarnando o papel de Richard Blane, o californiano Strathairn realiza uma atuação mágica, fazendo jus à indicação ao Oscar® de Melhor Ator em 2005. As demais atuações também são soberbas, em especial o ótimo Robert Downey Jr. como Joe Wershba.

George Clooney, como diretor, também se mostra eficiente e, apesar de não criar nenhum ângulo fantástico com as câmeras ou de não realizar nenhuma movimentação realmente satisfatória com as mesmas, o astro do Kentucky realiza um trabalho firme e consistente, seguindo bem de perto o roteiro que fôra concebido por ele mesmo. Conseguindo nos remeter todo o clima de angústia presente na época (entre outubro de 1953 e maio de 1954), causado, sobretudo, por dois fatores: a opressão que o projeto “Caça às Bruxas”, liderado por Joseph McCarthy, impusera às pessoas que iam de encontro aos ideais do senador e à falta de liberdade de expressão que a imprensa tinha na época, Clooney utiliza diversos artifícios extremamente eficazes a fim de mergulhar o espectador dentro do filme, dentre os quais destaco a angustiante fotografia preto e branco (algo que eu detesto quando é utilizada em filmes contemporâneos, mas neste caso caiu muitíssimo bem de acordo com a proposta do longa).

O grande destaque da produção, contudo, fica por conta da maneira como o mesmo opta por abordar à importância que um jornalismo realmente competente possui para a política do país e o modo como a ausência deste colabora negativamente com o progresso de uma nação. Através de uma direção detalhista e de um roteiro bem explorado, “Boa Noite e Boa Sorte” apresenta fortes críticas às frivolidades jornalísticas que são apresentadas com o intento de alienar o público (não sei porque, mas lembrei-me do programa “Fantástico” agora. Por que será?) e à dificuldade que um profissional disposto à apresentar um jornal de credibilidade sofre diante de uma sociedade fútil e consumista (repare nas cenas em que o longa nos apresenta a Murrow tendo de comandar um programa extremamente leviano, à lá “TV Fama”, a fim de obter recursos financeiros com este e poder produzir o politizado “See It Now”. Fazendo uma analogia mais palpável de ser absorvida em nossos cotidianos, Murrow fazia a mesma coisa que o excelente Paulo Henrique Amorim realiza atualmente como profissional: apresenta um programa fútil na Record (com um carisma peculiar, diga-se) a fim de poder financiar o jornalismo inteligente abordado em seu excelente site: o “Conversa Afiada”).

Em suma, “Boa Noite e Boa Sorte” é um filme independente de curtíssimo orçamento (US$ 7,5 milhões) e que em um curtíssimo prazo de duração (93 minutos) conseguiu a façanha de se mostrar eficaz e detalhista o bastante a fim de retratar todo um embate político ocorrido entre um gigante das comunicações e um outro gigante da política, resultando, inclusive, na cassação do mandato deste como senador. George Clooney realiza uma direção discreta, embora eficiente, o roteiro do longa aborda toda a crise vivenciada durante a época, incluindo a total falta de liberdade de expressão, sobretudo de imprensa e David Strathairn encarna Edward Roscoe Murrow de um modo magistral, merecendo, e muito, a indicação ao Oscar de Melhor Ator que obteve em 2005. Infelizmente o longa conta com um defeito (e sinceramente, não sei se posso chamá-lo de defeito): a dificuldade que o mesmo tem em familiarizar o público com a estória, já que torna-se altamente recomendável que o mesmo tenha um razoável conhecimento sobre os personagens que compõe a trama. No mais, temos aqui um excelente filme e uma aula de jornalismo verdadeiro e lição cívica.

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.

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