quinta-feira, 1 de maio de 2008

Matéria Especial - A Era Pré-Griffith

Havia algum tempo que eu almejava escrever esta matéria, mas realmente me faltou oportunidade para dar início a este artigo. Perdido entre pilhas de processos de licitação pública no trabalho e livros de direito na faculdade, não encontrava disponibilidade alguma para pesquisar sobre o assunto e, principalmente, desenvolver algo relevante sobre o mesmo. Com o início deste feriadão prolongado, pensei: “É agora ou nunca!”, e mesmo tendo trazido serviço para casa e estando lotado de trabalho acadêmico para concluir até segunda-feira no máximo, decidi fazer algo que todos deveriam fazer e eu mesmo não fazia há muito tempo, não dar a mínima para com as responsabilidades e colocar o meu hobbie predileto à frente de tudo.
Enfim, deixando de tergiversar e falando sobre a matéria em si, o meu intento para com a mesma é realizar um aprofundamento não apenas científico sobre a mais desconhecida era da história da Sétima Arte (ou seja, o intróito desta), como também artístico. Claro que durante o desenrolar do texto comentarei sobre os avanços tecnológicos que colaboraram para que o Cinema avançasse até atingir o nível que atingiu atualmente, mas o meu intento é, primordialmente, comentar os autores e suas principais obras e a maneira como estes colaboraram para o avanço da Sétima Arte.
PS: Ao clicar com o botão esquerdo do mouse nos títulos originais dos curtas-metragens infracitados na matéria o leitor terá a oportunidade de conferir os vídeos completos dos respectivos filmes no site youtube.





Dizer que o Cinema teve o seu início aos 28 de dezembro de 1895 através de uma sessão pública paga, organizada por Antoine Lumière (o pai dos irmãos Lumière), no Salão do Grand Café de Paris com a exibição do curta-metragem “L'Arrivée d'un Train à La Ciotat” (em português: “A Chegada de um Trem a Cidade”) não deixa de ser uma relativa verdade. Até mesmo porque, aquela foi a primeira sessão de Cinema de que se tem notícias (e reza a lenda que, como o público estava completamente desacostumado com esta recente invenção, ao ver um trem em movimento em sua direção, algumas pessoas sairam correndo e gritando do salão acreditando que o veículo fosse atravessar a tela e lhes atropelar). Contudo, antes mesmo de os Lumière concluírem a sua primeira filmagem, outras pessoas tiveram uma importante contribuição para o nascimento do Cinema, conforme poderemos analisar nos parágrafos abaixo.


Em 1876, Eadweard James Muybridge implantou 24 câmeras fotográficas espalhadas por todo um hipódromo, conseguindo assim, tirar várias fotos de um cavalo enquanto o animal se movimentava pela pista. Fazendo uso de um aparelho criado por ele próprio, alcunhado de zoopraxinoscópio, Muybridge inseriu as fotografias dentro do mesmo e conseguiu criar uma espécie de animação, fazendo com que as fotografias fossem exibidas rapidamente dando a ligeira impressão de que o cavalo realmente encontrava-se em movimento. No entanto, tudo isso não passava de um jogo ótico, uma espécie de truque capaz de enganar os olhos de quem presenciasse tal experiência. Em 1882, Étienne-Jules Marey atualizou a invenção de Muybridge, transformando-a em um equipamento mais completo e eficaz. Tal aparelho foi de grande utilidade para que Louis Aimée Augustin Le Prince conseguisse, em 1888, realizar duas filmagens de 2 segundos cada, são elas: “Roundhay Garden Scene” (em português: “Cena do Jardim Roundhay”) e “Traffic Crossing Leeds Bridge” (em português: “Tráfego Cruzando a Ponte de Leeds”). No entanto, o papel utilizado para a realização de tais filmagens era muito frágil e a sensação que temos ao vê-las é de presenciarmos o negativo de uma fotografia em movimento. Isso sem contar que tal material impossibilitava uma captação de movimentos que ultrapassasse um período maior do que alguns míseros segundos.


Passou-se algum tempo e William Kennedy Laurie Dickson, chefe engenheiro da Edison Laboratories, desenvolveu uma tira de celulóide contendo uma sequência de imagens que seria a base para fotografia e projeção de imagens em movimento. Em 1891, Thomas Edison inventou o cinetoscópio, que vinha a ser uma caixa movida a eletrecidade e utilizava a película inventada por Dickson, e mesmo fazendo o uso de um material mais resistente e que possibilitava a projeção de vídeos um pouco (bem pouco para falar a verdade) mais longos, a qualidade da projeção estava muito aquém do esperado, conforme mostram os vídeos-testes: “Dickson Greeting” (em português: “Sauadação de Dickson”) e “Newark Athlete”.


Tomando por base a invenção de Thomas Edison e aperfeiçoando a mesma, Auguste e Louis Lumière criaram um aparelho portátil que exercia as funções de máquina de filmar, de revelar e de projetar, e deram ao mesmo o nome de cinematógrafo. E é aqui que volto a falar do ponto em que comecei este artigo: da primeira projeção pública da história. Tal exibição foi um verdadeiro sucesso e a data de ocorrência da mesma é considerada o nascimento do Cinema, fato que os estadunidenses discordam completamente, pois estes atribuem tal importância a Thomas Edison e não aos irmãos Lumière.


Se há algo que não me atrai nem um pouco é ter de dar o braço a torcer e apoiar os estadunidenses e a sua megalomania, mesmo reconhecendo que desta vez eles têm muito mais razão que as demais pessoas. Apesar de acreditar que o nascimento do Cinema ocorreu justamente no momento em que Louis Aimée Augustin Le Prince realizou a filmagem de “Roundhay Garden Scene”, deve-se admitir que, mesmo os Lumière tendo sido os primeiros a realizar uma filmagem “limpa” (no sentido de visibilidade) e atraente o bastante para atraírem um público relativamente grande a fim de testemunhar o trabalho dos mesmos (além de terem sido os responsáveis pela primeira projeção voltada ao público), foi Edison quem desenvolveu o material utilizado pelos franceses e possibilitou com que os mesmo realizassem o famosíssimo “L'Arrivée d'un Train à La Ciotat”, e se olharmos por este prisma, o gênio estadunidense colaborou mais para o nascimento da Sétima Arte que os irmãos Lumière em si.


Discussões a parte, passou-se algum tempo e as sessões de projeções públicas foram se tornando cada vez mais comuns. Pouco depois da exibição de “L'Arrivée d'un Train à La Ciotat” (em 1896, para ser mais exato) os Lumière continuaram realizando diversos curtas-metragens amadores, dentre os quais o principal fôra “La Sortie de l'Usine Lumière à Lyon” (em português: “Empregados Deixando a Fábrica Lumière em Lyon”), considerado o primeiro documentário da história do Cinema (fato que também discordo completamente, até mesmo porque o curta, assim como “A Chegada de um Trem a Cidade”, nada mais é que uma rápida projeção que capta os movimentos de várias pessoas atuando em seus respectivos cotidianos, neste caso em específico, o final do dia de trabalho de um grupo de operários). No mesmo ano, os Lumière lançaram um outro curta que pode ser considerado extremamente revolucionário do ponto de vista artístico, “L'arroseur Arrose'” (em português: “O Regador Regado”). É neste curta de comédia que testemunhamos, pela primeira vez, a filmagem de uma ficção, com uma dupla de pessoas realmente atuando. Sim, pois antes dos dois irmãos produzirem este curta, eles apenas filmavam as pessoas e os cotidianos das mesmas. Tudo era real, não havia ficção, quiçá atuação por parte de pessoa alguma. Meses mais tarde, Thomas Edison lança o seu primeiro filme, chamado “Vitascope” (em português: “Vitascópio”), um curta fraquíssimo do ponto de vista tecnológico, pois além de conter metade do tempo de duração das filmagens realizadas pelos Lumière, fôra filmado completamente em estúdio e a qualidade da imagem não era das melhores, mas acrescentou algo de interessante ao Cinema do ponto de vista artístico. É neste “Vitascope” que vemos o primeiro beijo da história da Sétima Arte. Isto sem contar que foi a primeira vez onde o gênero romance “deu as caras” no Cinema, mesmo de uma maneira tão simplória e tosca.


Poucos anos mais tarde a hegemonia dos Lumière como cineastas fôra ameaçada pela primeira vez com o surgimento do ilusionista francês George Méliès. Pioneiro na arte dos efeitos-visuais, como mostram os curtas: “Un homme de têtes” (1898, em português: “Um Homem de Cabeças”), “The Conjuror” (1899, em português: “O Encantador”) e “L'Homme Orchestre” (1900, em português: “O Maestro”), Méliès se consagrou no ano de 1902 com “Le Voyage Dans La Lune” (em português: “Viagem à Lua”), filme este que viria inovar o Cinema em vários aspectos. Foi o primeiro filme a ter mais de 10 minutos de duração, o primeiro curta roteirizado da história da Sétima Arte, o criador do gênero “ficção científica” e a primeira vez em que a relação entre humanos e seres interplanetários fôra abordada no Cinema. Outro ponto forte do curta é a ousadia do mesmo ao abordar a viagem interplanetária, algo que não era muito bem visto pela sociedade na época, pois muitos encaravam tal feito como sendo uma verdadeira loucura.


Outro grande cineasta da época que desafiou a hegemonia dos Lumière foi Edwin S. Porter. Responsável pela criação da técnica de edição de imagens, Porter realizou duas obras-primas do cinema que antecedeu a Era Griffith, são elas: “Life of an American Fireman” (em português: “A Vida de um Bombeiro Americano”) de 1903, onde duas imagens diferentes, mas que ocorreram simultâneamente são exibidas a partir de dois pontos de vista, o do bombeiro que resgatará a mulher em perigo e o da mulher em perigo que será resgatada pelo bombeiro e “The Great Train Robbery” (em português: “O Grande Assalto a Trem”) onde o diretor passou a utilizar a técnica do “cross-cutting”, ou seja, imagens simultâneas são exibidas em diversos locais. O curta ficou marcado também por, provavelmente, ter sido o responsável pelo surgimento do gênero western e por ter sido o primeiro filme polêmico e extremamente violento da história do Cinema, afinal de contas, os protagonistas do mesmo são assaltantes e assassinos cruéis que cometem homicídios sem o menor peso na consciência. Outro grande feito deste “The Great Train Robbery” está na qualidade de sua direção, se antes jamais havíamos visto um diretor arriscar fazer uma única movimentação de câmera, nesta obra Porter arrisca movimentá-la a fim de acompanhar a fuga dos bandidos e, ainda que tal movimentação soe um tanto o quanto artificial e “travada”, não há como negar a importância desta ousadia para que D. W. Griffith pudesse, posteriormente, realizá-la com mais técnica e talento em filmes como “O Nascimento de Uma Nação” e “Intolerância” (particularmente, encaro este “O Grande Assalto a Trem” como sendo o melhor curta metragem pré-Griffith ao contrário da grande maioria esmagadora que prefere “Viagem à Lua”).


Fortemente influenciados por “Viagem à Lua” e “O Grande Assalto a Trem” os filmes da época passaram a ter alguns minutos a mais de duração e, ao invés de 5 minutos no máximo, passaram a durar entre 10 e 15 minutos, diferentemente dos curtas produzidos pouco antes da virada do século. Surgiram os nickelodeons, pequenos locais onde as obras cinematográficas eram exibidas e o preço do ingresso era de apenas 1 nickel. A Sétima Arte havia se tornado algo extremamente popular.


A fim de afastar a imagem de que o Cinema estava diretamente ligado às castas inferiores da sociedade, os irmãos Lafitte decidiram, no ano de 1907, criar os denominados filmes de Arte e atrair as classes mais nobres ao Cinema.


Um ano antes dos Lafitte produzirem a sua Arte (em 26 de dezembro de 1906, para ser mais exato), o diretor australiano Charles Tait roteirizou e dirigiu o filme “The Story of the Kelly Gang” (em português: “A Estória da Gang de Kelly”), conhecido como o primeiro longa-metragem da estória da Sétima Arte. O longa em si abordava a estória de Ned Kelly, o anti-herói mais famoso da história da Austrália.


Influenciados pelo filme australiano, o Cinema europeu passou a produzir filmes ainda mais longos, como é o caso do francês “Les Amours de la Reine Élisabeth” (em português: “Os Amores de Rainha Elizabeth”, de 1912, dirigido por Henri Desfontaines e Louis Mercanton e roteirizado por Émile Moreau) e os italianos “Quo Vadis?” (em português: “Para Onde Vais?”, de 1913, dirigido e roteirizado por Enrico Guazzoni, baseado em conto de Henryk Sienkiewicz) e “Cabiria” (em português: “Cabíria”, de 1914, dirigido por Giovanni Pastrone e roteirizado por Gabriele D'Annunzio e pelo próprio Giovanni Pastrone, baseado no livro de Titus Livus e no conto de Emilio Salgari).


No entanto, em uma era dominada por cineastas franceses e italianos, foi justamente um estadunidense quem mais se destacou. É claro que me refiro a David Llewelyn Wark Griffith, mais conhecido como D. W. Griffith.


Muitas pessoas perguntam: “o que Grifitth fez de tão importante ao Cinema, se muito antes dele Louis Aimée Augustin Le Prince já havia conseguido capturar os movimentos de uma pessoa, os irmãos Lumière já haviam criado a primeira sessão cinematográfica, os mesmos irmãos Lumière já haviam introduzido a ficção dentro da Sétima Arte, George Méliès já havia criado um filme roteirizado e Charles Tait já havia criado o primeiro longa-metragem da história?”. Esta é uma pergunta difícil de se responder prontamente.


Talvez o maior feito de Griffith como cineasta fôra a dramatização da Sétima Arte a ponto de torná-la ainda mais contundente aos olhos de quem a aprecia. Não fosse por Griffith talvez não tivéssemos as conhecidas “montagens paralelas” que consistem em utilizar a montagem para alternar diferentes eventos que ocorrem simultaneamente. O leitor me pergunta: “Mas isso já não foi feito por Porter em “A Vida de um Bombeiro Americano”?”. Sim, foi, mas de uma maneira pouco convincente, tanto que, se não prestássemos a devida atenção, a inovação demonstrada no filme de Porter facilmente passaria despercebida. Outros grandes destaques que marcaram os filmes de Griffith são as atuações frontais e exageradas por parte dos atores, utilização de paisagens naturais como “cenários” dos filmes, a ausência de câmera subjetiva, a invenção do plano detalhe e a movimentação regular das câmeras. A propósito, já que mencionei acima que o maior feito de Griffith como cineasta foi a dramatização da Sétima Arte, talvez a característica do cineasta que mais tenha colaborado para isso seja a maneira como o mesmo trabalha com as câmeras. Em uma época onde o diretor de um filme era apenas a pessoa que mantinha a câmera ligada durante as filmagens e que, vez ou outra, arriscava alguns movimentos, mas de maneira desastrosa (como foi o caso de Porter em “O Grande Assalto a Trem”), David Llewelyn Wark Griffith inovou totalmente e através de diversos recursos criados por ele, dentre os quais cito os famosos close ups, provou que o diretor pode ser um colaborador tão importante para a carga emocional do filme quanto os roteiristas e diretores dos mesmos.


Vale lembrar também que foi de Griffith o primeiro filme de gangster de história: “The Musketeers of Pig Alley” (em português: “Os Mosqueteiros de Pig Alley”, de 1912) e, é claro, o primeiro épico e o primeiro grande clássico da história do Cinema, o polêmico e racista: “The Birth of Nation” (“O Nascimento de uma Nação”, de 1915), filme este que, apesar de moralmente repugnante, foi um marco para a Sétima Arte e o pioneiro na inovação de vários recursos, sobretudo no que diz respeito à direção, além, é claro, de ter sido a resposta definitiva à maioria esmagadora na época que afirmava que os longas-metragens eram inviáveis do ponto de vista financeiro.


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