quarta-feira, 19 de novembro de 2025

🎬 Crítica Técnica: Superman (James Gunn, 2025)

🎬 Crítica Técnica: Superman (James Gunn, 2025), Por Daniel Esteves de Barros.


Nota: ★★★★☆ (4/5).





O Superman de James Gunn, lançado em 2025, se firma como uma operação estética singular dentro do cinema de super-heróis contemporâneo: ao mesmo tempo em que revisita a fase mais colorida, lúdica e infanto-juvenil das publicações clássicas do personagem, a obra se estrutura com rigor técnico, consciência de linguagem e ambição estética superior à média do gênero. A produção opera como uma síntese entre espetáculo e leveza, entre a fisicalidade da ação e a expressividade emocional, evitando tanto a sisudez do realismo sombrio quanto a frivolidade de uma comédia descompromissada.

I. A Direção e a Linguagem Visual: Entre a Leveza e a Ação

James Gunn demonstra aqui um controle impressionante da mise-en-scène dinâmica que caracteriza sua filmografia. As sequências de ação — estrategicamente distribuídas ao longo da narrativa, sem aglomerações artificiais — são construídas com uma decupagem que privilegia:

alternância rítmica entre primeiros-planos e planos plongée, criando verticalidade e ampliando a sensação de escala;

trajetórias de movimento fluídas, mantendo o espectador espacialmente orientado;

câmera móvel precisa, nunca intrusiva, sempre orientada pela progressão dramática do quadro.

Essa técnica não apenas reforça a energia interna das cenas como também recupera, com certa sofisticação, a estética solar das HQs dos anos 1950 e 1960 — não como pastiche, mas como releitura contemporânea do maravilhamento visual.

II. Montagem e Raccord: A Máquina de Fluidez Narrativa

A montagem, extremamente dinâmica, se destaca no conjunto da obra. O filme emprega raccords de movimento e raccords gráficos que promovem transições especialmente elegantes, gerando:

compressão temporal eficiente;

continuidade espacial orgânica;

cadência narrativa sem sobressaltos artificiais.

Essa fluidez editorial neutraliza a sensação de episódios isolados, tão comum em blockbusters recentes, produzindo uma experiência de continuidade quase coreográfica.

Do ponto de vista puramente técnico, é um dos pontos mais altos do filme.

III. Efeitos Visuais e Espacialidade Fantástica

Os efeitos visuais exibem um nível de integração raramente visto no gênero. O destaque absoluto é a gigantesca fissura terrestre que ameaça Metropolis, construída com notável verossimilhança física.

A textura do solo, o comportamento das partículas, o colapso estrutural e o impacto urbano têm uma densidade material convincente, que evita o artificialismo digital típico da produção industrializada.

A fissura funciona não apenas como espetáculo, mas como elemento dramático, instaurando uma tensão espacial permanente e, sobretudo, coerente com o universo físico da narrativa.

IV. Humor e Tom: Um Risco Bem Sucedido

Gunn recupera a fase colorida, leve e quase ingênua das HQs clássicas, incorporando humor equilibrado e bem dosado.

A comicidade surge:

pela interação entre personagens;

por enquadramentos que exploram timing visual;

por pequenas quebras de expectativa.

O filme não se leva tão a sério — e isso é intencional.

A estratégia afasta a obra do tom grave e sobrecarregado de outras adaptações do herói e cria um universo mais acessível, em consonância com a proposta de humanizar o personagem-título.

V. O Superman de David Corenswet: Corpo, Expressão e Vulnerabilidade

David Corenswet se revela um acerto expressivo.

A performance é marcada por:

facilidade emotiva, com microexpressões precisas;

um registro de fragilidade orgânico, nunca performativo;

postura corporal que oscila entre imponência e hesitação, construindo um Clark Kent/Superman coerente com a proposta narrativa.

Esse Superman rejeita o ideal propagandístico do sonho americano e se apresenta, antes, como sujeito vulnerável, contraditório, humano.

A aproximação emocional é eficaz — ainda que, paradoxalmente, essa mesma vulnerabilidade contribua para um distanciamento perceptivo, como discutido adiante.

❗ VI. Fragilidades Dramáticas: O Peso da Humanização e o Colapso do Antagonista

1. Lex Luthor: Do Potencial Dramático ao Vilão Genérico

O trabalho inicial de Nicholas Hoult é promissor: sua interpretação apresenta um Lex Luthor de gestual contido, fala precisa e uma ambição calculada que sugere um antagonista complexo.

Entretanto, o roteiro dissolve progressivamente essa sofisticação, transformando-o em um arquétipo simplista — o vilão “mau porque escolheu ser mau”.

Esse desdobramento compromete:

a coerência narrativa;

o impacto dramático da oposição central;

a própria leitura política e moral do personagem.

A queda qualitativa é visível e enfraquece a espinha dorsal do conflito.

2. O Exagero da Vulnerabilidade do Herói

Se a humanização do Superman é um triunfo estético, ela se torna também um peso estrutural.

O filme insiste em apresentá-lo:

constantemente em apuros;

frequentemente dependente de aliados;

raramente expressando o poder absoluto pelo qual é conhecido.

O recurso, repetido excessivamente, desgasta o público e dilui a aura mítica do herói.

A vulnerabilidade, inicialmente um ponto de identificação, transforma-se em impotência narrativa, produzindo um herói reduzido e, por vezes, frustrante.

⭐ Conclusão

O Superman de James Gunn é uma obra que combina direção segura, montagem engenhosa, efeitos visuais refinados, tom equilibrado, excelente protagonismo e uma estética que revaloriza a leveza clássica do personagem sem escorregar no kitsch.

Se os problemas de roteiro — notadamente o declínio dramático de Lex Luthor e o excesso de fragilidade imputado ao Superman — impedem o filme de alcançar grandeza plena, ainda assim o resultado é vigoroso, tecnicamente sólido e artisticamente honesto.

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