🎬 Crítica Técnica: Superman (James Gunn, 2025), Por Daniel Esteves de Barros.
Nota: ★★★★☆ (4/5).
O Superman de James Gunn, lançado em 2025, se firma como uma operação estética singular dentro do cinema de super-heróis contemporâneo: ao mesmo tempo em que revisita a fase mais colorida, lúdica e infanto-juvenil das publicações clássicas do personagem, a obra se estrutura com rigor técnico, consciência de linguagem e ambição estética superior à média do gênero. A produção opera como uma síntese entre espetáculo e leveza, entre a fisicalidade da ação e a expressividade emocional, evitando tanto a sisudez do realismo sombrio quanto a frivolidade de uma comédia descompromissada.
I. A Direção e a Linguagem Visual: Entre a Leveza e a Ação
James Gunn demonstra aqui um controle impressionante da mise-en-scène dinâmica que caracteriza sua filmografia. As sequências de ação — estrategicamente distribuídas ao longo da narrativa, sem aglomerações artificiais — são construídas com uma decupagem que privilegia:
alternância rítmica entre primeiros-planos e planos plongée, criando verticalidade e ampliando a sensação de escala;
trajetórias de movimento fluídas, mantendo o espectador espacialmente orientado;
câmera móvel precisa, nunca intrusiva, sempre orientada pela progressão dramática do quadro.
Essa técnica não apenas reforça a energia interna das cenas como também recupera, com certa sofisticação, a estética solar das HQs dos anos 1950 e 1960 — não como pastiche, mas como releitura contemporânea do maravilhamento visual.
II. Montagem e Raccord: A Máquina de Fluidez Narrativa
A montagem, extremamente dinâmica, se destaca no conjunto da obra. O filme emprega raccords de movimento e raccords gráficos que promovem transições especialmente elegantes, gerando:
compressão temporal eficiente;
continuidade espacial orgânica;
cadência narrativa sem sobressaltos artificiais.
Essa fluidez editorial neutraliza a sensação de episódios isolados, tão comum em blockbusters recentes, produzindo uma experiência de continuidade quase coreográfica.
Do ponto de vista puramente técnico, é um dos pontos mais altos do filme.
III. Efeitos Visuais e Espacialidade Fantástica
Os efeitos visuais exibem um nível de integração raramente visto no gênero. O destaque absoluto é a gigantesca fissura terrestre que ameaça Metropolis, construída com notável verossimilhança física.
A textura do solo, o comportamento das partículas, o colapso estrutural e o impacto urbano têm uma densidade material convincente, que evita o artificialismo digital típico da produção industrializada.
A fissura funciona não apenas como espetáculo, mas como elemento dramático, instaurando uma tensão espacial permanente e, sobretudo, coerente com o universo físico da narrativa.
IV. Humor e Tom: Um Risco Bem Sucedido
Gunn recupera a fase colorida, leve e quase ingênua das HQs clássicas, incorporando humor equilibrado e bem dosado.
A comicidade surge:
pela interação entre personagens;
por enquadramentos que exploram timing visual;
por pequenas quebras de expectativa.
O filme não se leva tão a sério — e isso é intencional.
A estratégia afasta a obra do tom grave e sobrecarregado de outras adaptações do herói e cria um universo mais acessível, em consonância com a proposta de humanizar o personagem-título.
V. O Superman de David Corenswet: Corpo, Expressão e Vulnerabilidade
David Corenswet se revela um acerto expressivo.
A performance é marcada por:
facilidade emotiva, com microexpressões precisas;
um registro de fragilidade orgânico, nunca performativo;
postura corporal que oscila entre imponência e hesitação, construindo um Clark Kent/Superman coerente com a proposta narrativa.
Esse Superman rejeita o ideal propagandístico do sonho americano e se apresenta, antes, como sujeito vulnerável, contraditório, humano.
A aproximação emocional é eficaz — ainda que, paradoxalmente, essa mesma vulnerabilidade contribua para um distanciamento perceptivo, como discutido adiante.
❗ VI. Fragilidades Dramáticas: O Peso da Humanização e o Colapso do Antagonista
1. Lex Luthor: Do Potencial Dramático ao Vilão Genérico
O trabalho inicial de Nicholas Hoult é promissor: sua interpretação apresenta um Lex Luthor de gestual contido, fala precisa e uma ambição calculada que sugere um antagonista complexo.
Entretanto, o roteiro dissolve progressivamente essa sofisticação, transformando-o em um arquétipo simplista — o vilão “mau porque escolheu ser mau”.
Esse desdobramento compromete:
a coerência narrativa;
o impacto dramático da oposição central;
a própria leitura política e moral do personagem.
A queda qualitativa é visível e enfraquece a espinha dorsal do conflito.
2. O Exagero da Vulnerabilidade do Herói
Se a humanização do Superman é um triunfo estético, ela se torna também um peso estrutural.
O filme insiste em apresentá-lo:
constantemente em apuros;
frequentemente dependente de aliados;
raramente expressando o poder absoluto pelo qual é conhecido.
O recurso, repetido excessivamente, desgasta o público e dilui a aura mítica do herói.
A vulnerabilidade, inicialmente um ponto de identificação, transforma-se em impotência narrativa, produzindo um herói reduzido e, por vezes, frustrante.
⭐ Conclusão
O Superman de James Gunn é uma obra que combina direção segura, montagem engenhosa, efeitos visuais refinados, tom equilibrado, excelente protagonismo e uma estética que revaloriza a leveza clássica do personagem sem escorregar no kitsch.
Se os problemas de roteiro — notadamente o declínio dramático de Lex Luthor e o excesso de fragilidade imputado ao Superman — impedem o filme de alcançar grandeza plena, ainda assim o resultado é vigoroso, tecnicamente sólido e artisticamente honesto.

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