Sim, assisti a esta produção unicamente porque é protagonizada por Florence Pugh — e, no turbilhão de desarranjos em que anda a minha vida (situação em que até imaginar um Sísifo feliz ou pregar o Amor Fati nietzschiano parece uma tarefa hercúlea), vê-la em cena tornou-se uma das poucas recompensas que me restam.
Devo admitir, porém, que vê-la encarnar uma personagem com estética pin-up — meu arquétipo feminino favorito — apenas potencializa o encanto. Isso me torna um típico produto da cultura machista do american way of life? Talvez. Mas o fato é que a personagem Alice Chambers acaba se tornando mil vezes mais fascinante do que a própria Florence Pugh, que, convenhamos, já é uma atriz lindíssima, talentosa, inteligente e carismática — ainda que, na vida real, excessivamente afeita a causas e discursos progressistas que o filme tenta, de forma escancarada e pouco sutil, martelar em seu desfecho.
Aliás, este primeiro parágrafo já antecipa o tom moralizante que domina o final de Don’t Worry Darling. E o problema, convém dizer, não é a lição feminista e anti–red pill que o longa propõe (com a qual, honestamente, não discordo), mas o modo caótico e errático como o roteiro a desenvolve.
Somos apresentados a um cenário visualmente deslumbrante, criado por uma direção de arte primorosa que reconstrói com precisão os Estados Unidos dos anos 1950 — o auge da chamada “Era de Ouro” americana. O design de produção e a fotografia de Matthew Libatique (sim, o mesmo de Cisne Negro) equilibram o esplendor cromático da nostalgia pós-guerra com a aridez do deserto que cerca aquela comunidade artificial. Essa oposição serve a dois propósitos: iludir o espectador com a promessa de perfeição e, ao mesmo tempo, insinuar que fora daquele microcosmo idealizado há um mundo hostil, ameaçador e estéril.
No que diz respeito à forma, Olivia Wilde demonstra surpreendente competência na condução dos primeiros atos. Sua atenção à mise-en-scène é obsessiva: desde o posicionamento dos objetos no enquadramento — baldes meticulosamente alinhados enquanto Alice limpa os vidros — até a coreografia quase ritualística dos maridos dirigindo lado a lado, como uma espécie de cavalaria de aço atravessando o deserto. É um início elegante, visualmente coerente e narrativamente promissor.
O elenco, em geral, corresponde bem. Mas é Florence Pugh quem sustenta a obra praticamente sozinha. Sua interpretação, visceral e controlada ao mesmo tempo, é o que mantém o filme em pé. É impossível não traçar um paralelo entre Alice Chambers e Nina Sayers, a protagonista de Cisne Negro, de Darren Aronofsky: ambas mergulham em uma espiral de paranoia e desintegração psicológica. A diferença é que Alice já vive a perfeição e tenta escapar dela, enquanto Nina a persegue. Em Don’t Worry Darling, o resultado é um thriller que começa promissor, mas se torna irregular conforme avança.
É lamentável, pois Pugh está esplêndida — além de hipnoticamente bela em sua estética pin-up (já mencionei isso?). Sua expressividade facial e o controle absoluto sobre voz e emoção dão uma dimensão trágica e magnética à personagem.
Infelizmente, o roteiro parece não saber a qual narrativa deseja pertencer. Oscila entre o drama psicológico de Cisne Negro, o suspense conjugal de Dormindo com o Inimigo e a crítica social de Matrix e Corra!, resultando em uma colagem de referências que se anulam mutuamente. Há até ecos de Laranja Mecânica e A Hora do Pesadelo, o que torna a experiência ainda mais caótica.
O desfecho, confuso e inchado de simbolismos, compromete o conjunto. O filme termina tentando condensar uma tese sobre o “machismo estrutural” — conceito que, aqui, soa mais como slogan do que reflexão — e sobre a incapacidade de certos homens de exercer liderança emocional sem recorrer à força ou ao controle coercitivo.
Uma pena: um elenco talentoso, uma protagonista soberba e uma equipe técnica de primeira acabam soterrados por um roteiro que, no fim, se perde entre a ambição de ser relevante e a pressa em parecer inteligente.

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