quinta-feira, 11 de junho de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria

Por Daniel Esteves de Barros.
Avaliação: ***** (Obra-Prima).




Ficha técnica:
Título Original:  Mad Max: Fury Road.
Gênero: Ação / Ficção Científica.
Tempo de Duração: 120 minutos.
Ano de Lançamento: 2015.
Site Oficial: http://wwws.br.warnerbros.com/madmaxfuryroad/
Países de Origem: Austrália e Estados Unidos da América.
Direção: George Miller.
Roteiro: George Miller.
Elenco: Tom Hardy (Max
Rockatansky), Charlize Theron (Imperatriz Furiosa), Hugh Keays-Byrne (Immortan Joe), Nicholas Hoult (Nux), Rosie Huntington-Whiteley (Splendid), Zoë Kravitz (Toast), Riley Keough (Capable), Nathan Jones (Rictus Erectus), Josh Helman (Slit), Megan Gale (Valkyrie), Angus Sampson (Organic Mechanic), Abbey Lee (The Dag), Richard Norton (Imperator) e John Howard (People Eater).

Sinopse: Após ser capturado por Immortan Joe, um guerreiro das estradas chamado Max (Tom Hardy) se vê no meio de uma guerra mortal, iniciada pela Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) na tentativa se salvar um grupo de garotas. Também tentanto fugir, Max aceita ajudar Furiosa em sua luta contra Joe e se vê dividido entre mais uma vez seguir sozinho seu caminho ou ficar com o grupo (Adoro Cinema).

Mad Max: Fury Road – Trailer:



Crítica:

O protagonista de uma trama é aquele personagem que faz com que todas as subtramas vivenciadas pelas demais figuras dramáticas sofram determinadas consequências em função de suas ações. Em O Poderoso Chefão, por exemplo, as decisões de Don Vito Corleone afetam diretamente todos os coadjuvantes que estão inseridos no roteiro. Em 2001: Uma Odisseia no Espaço, o protagonista já é um pouco mais complexo e não assume uma forma necessariamente humana, mas sim uma figura geométrica que, em tese, personifica a busca pela perfeição que a humanidade tanto trilhou ao longo de sua existência. Logo, o monolito negro é quem dá as cartas na obra-prima de Stanley Kubrick e incide de forma praticamente direta nas demais subtramas do longa, incluindo, claro, o próprio conflito entre Dave e Hal 9000. Mas e na saga Mad Max? Quem é o protagonista? O personagem-título? Se considerarmos apenas a produção original, pode-se dizer inquestionavelmente que sim. Todavia, e se levarmos em conta o rumo que a série tomou a partir de seu segundo episódio?

Particularmente, acredito que o protagonista dos três últimos ‘Mad Max’ seja o próprio mundo pós-apocalíptico concebido por George Miller. Em raríssimos casos na Sétima Arte, podemos testemunhar filmes que ilustrassem com tamanha primazia o modo como o meio acaba interferindo no estilo de vida de uma série de indivíduos (e por mais que A Cúpula do Trovão seja uma obra extremamente medíocre, ela também se mostra capaz de ilustrar muito bem tal determinante). Que me desculpem os fãs de A Caçada Continua (eu sou um deles, aliás), mas é exatamente em Estrada da Fúria que Miller consegue, mais do que nunca, registrar este “atípico protagonista” da maneira mais pertinente o possível.

Assistir a Mad Max: Estrada da Fúria sob a perspectiva de seu cineasta é como observarmos uma daquelas curiosas fazendas de formiga, com a diferença de que, aqui, cada um de seus “insetos” faz o que pode para aliar-se a determinados clãs e sobreviver da forma que lhe for cabível. Sobrevivência essa que o personagem-título deixa claro, logo nos segundos iniciais da projeção, ser o seu único instinto. Miller nos presenteia então com um mundo mergulhado em um niilismo onde o desespero e os instintos primitivos se põem muito à frente de quaisquer valores morais ou sociais. Trata-se de um universo em que a valorização do id se sobrepõe à do superego. Julgar então quem são os “mocinhos” e quem são os “bandidos” se torna uma tarefa, no mínimo, injusta, por mais que a nossa tendência a torcer pelo lado mais “fraco” da corda (expliquei isso rapidamente ao escrever sobre Planeta dos Macacos: A Origem) nos faça ansiar pela vitória dos perseguidos (Max, Furiosa e cia.) e não dos perseguidores.

Por mais que Max Rockatansky não seja lá um exemplo de herói a ser seguido, sabemos que o sujeito que atira na perna de uma jovem grávida pelas costas, que ameaça uma mulher amputada para conseguir roubar o caminhão que ela, por sinal, também acabara de roubar e que se mostra disposto a abandonar um grupo de garotas no deserto, à mercê do homem que as mantinha em cativeiro exercendo a função de meras reprodutoras, é o mesmo sujeito que, nos minutos iniciais, precisa engolir um lagarto mutante vivo para se sustentar, é perseguido com extrema violência por uma horda, bem no meio do deserto, é “coisificado” à condição de “bolsa de sangue” e, conforme disse pouco mais acima, deixa claro, em uma de suas primeiras falas de narrativa em off do script, que contém um propósito de vida bastante humilde em relação às condições que o meio lhe impôs: sobrevier.

Enfim, falemos então daquela que é o maior destaque de Estrada da Fúria: a direção de George Miller. Impressionante que, aos 70 anos (completados no último 03 de março), o cineasta australiano consiga dirigir uma fita de ação infinitamente mais trabalhosa e com muito mais eficiência do que Joss Whedon (que completa 51 primaveras no próximo dia 23, ou seja, o sujeito é consideravelmente mais jovem que Miller) o fez no apenas ok Vingadores: Era de Ultron. Quase tão impressionante quanto isso é constatarmos que o diretor não rodava um filme live-action há 17 anos e, do nada, surge com este que é um dos melhores trabalhos de sua carreira (se não “O” melhor trabalho).

Ao contrário do que esta nova geração de diretores de filmes de ação prega, o cineasta setentão se mostra capaz de rodar uma produção megalomaníaca e alucinante em todos os seus três atos sem se ver obrigado, para tal, a apelar para trucagens baratas, tais como: filmar uma atriz gostosa correndo a todo o instante, empregar uma câmera insuportavelmente sacolejante, adotar uma montagem que se veja obrigada a fazer um corte a cada vinte nanosegundos e utilizar uma edição sonora ensurdecedora. Não, espera um pouco. A edição sonora aqui é extremamente ensurdecedora, mas, quer saber? Isso é fenomenal!

Mad Max: Estrada de Fúria, definitivamente, não seria Mad Max: Estrada da Fúria se não fosse aquela barulheira toda (alguém aí duvida que o Oscar de Melhores Efeitos Sonoros de 2016 ficará com a película em questão?), que registra, do modo mais empolgante que se possa imaginar, acidentes automobilísticos surreais, explosões, tiroteios, motores de carros possantes, caminhões e motocicletas perfeita e “ensurdecedoramente” sincronizados! Tá bom ou quer mais? Que tal então se parte da trilha-sonora diegética (aliás, a trilha-sonora, por si só, já é um espetáculo à parte e injeta ainda mais adrenalina e tensão às sequências de ação) fosse composta por batucadas em tambores e solos estridentes de uma guitarra que cospe fogo e é manuseada por um músico cego from hell que a toca de costas para uma parede de amplificadores instalada em cima de um veículo que rasga os desertos da Namíbia em altíssima velocidade (aliás, você PRECISA ler este artigo excepcional do site Judão!)?! É como se a gangue comandada pelo “vilão” Immortan Joe chegasse à seguinte conclusão: “se neste mundo distópico nós não temos uma rádio rock pra sintonizar, trazemos com a gente o nosso próprio guitarrista personalizado”. O fato é que isto acabou rendendo a maior “viajada na maionese” que uma fita de ação comercial como esta poderia ter rendido.

Falando em “viajar na maionese”, criatividade é o que não falta por aqui, neste universo perturbado. Felizmente, contamos com uma direção de arte competente o bastante para acompanhar e delinear todas as alucinações de seu realizador. Logo, prepare-se para ver no cinema (apesar que esta crítica já tá tão atrasada que o leitor já deve, tal como eu, ter assistido ao longa em questão umas quatro vezes) um Carnaval de genialidades: repleto de carros sucateados e mesclados com peças de tanques de guerra, rodas de trator aro - sei lá – 30 polegadas, espinhos de aço capazes de dar inveja a qualquer Sonic da vida, lanças gigantes instaladas nas traseiras dos veículos para suspender “soldados” que arremessam granadas, enfim, todo o tipo de alucinações que você poderia ter imaginado em uma produção cinematográfica deste porte, mas que somente um diretor de Cinema tão inventivo e eclético quanto este notável cidadão de Brisbane poderia nos proporcionar.

O quê? Eu falei de diretor? Pois voltemos então a falar de George Miller pra encerrar logo esta crítica que, como de costume, já ultrapassou as aconselháveis mil palavras.

Sabe o que pode ser mais bacana do que ver o peculiar desfile de carros ainda mais peculiares filmados aqui? Assistir a tudo isso sendo devidamente destruído. E com George Miller por trás das câmeras, a destruição é pra valer mesmo. Sabe quando um carro se arrebenta na tela? Pois é, com George Miller, old school que ele só, o carro se arrebenta pra valer mesmo, não é só uma sucessão efeitos visuais, não! É Cinema comandado por um realizador de verdade mesmo!

Aliás, é incrível notarmos a coragem deste senhor que, de velho, tem bem menos do que eu ou você. Miller não só não tem medo de realizar planos fechados pra acompanhar a ação bem de perto, do modo mais frenético o possível, como também prova que sabe alterar perfeitamente, sem quebrar o clima, entre tomadas aéreas que ilustram a imensidão do deserto e planos aproximados que registram alucinadamente as “batalhas” travadas quase que ininterruptamente, ao longo dos mais de 120 minutos de projeção.

Tais tomadas aéreas, por sinal, são a melhor técnica que o cineasta encontra para definir o seu mundo devastado como o grande e inquestionável protagonista da trama. Se os conflitos entre “mocinhos” e “bandidos” parecem ser impetuosos e grandiosos de perto, sempre que o diretor filma o deserto por meio de planos mais abertos, eles se mostram automaticamente pífios, como se, repetindo o que eu disse mais acima, estivéssemos de fato observando uma fazenda de formigas na qual estes pequenos animais, carentes de recursos, veem-se obrigados a se entregarem ao desespero e à digladiação inevitável.

No mais, Estrada da Fúria é comandado por seu realizador como se fosse um videoclipe desenfreado de mais de duas horas de duração, e é a primeira vez que escrevo isso em uma crítica contando como ponto positivo. Ao contrário de outros diretores repletos de estilismos e maneirismos geralmente desnecessários, como é o caso de Danny Boyle e do finado Tony Scott, Miller é competente o bastante a ponto de dirigir o longa inteiro como se estivesse filmando uma convulsão das mais intensas, mas sem ter que recorrer a efeitos exagerados para tal. Apenas pra dar um exemplo, ele consegue fazer com que pessoas e carros voem e explodam durante uma tempestade de areia sem se ver obrigado a alterar a taxa padrão de frames por segundo ou utilizar uma fotografia (aliás, o modo como John Selae fotografa o deserto aqui, com tons alaranjados durante o dia e tons azuis escuros durante as cenas noturnas, também ajuda a destacar ainda mais a força do “protagonista” da trama) exageradamente dessaturada para chegar a um resultado que atinja o mínimo de intensidade.

Ah, e antes que eu me vá, permita-me iniciar uma polêmica por aqui (eu quase já não dou motivos pro leitor discordar de mim, né?): Tom Hardy funciona muito melhor como Mad Max do que Mel Gibson e não se fala mais nisso! Hardy conta com um tom de voz mais seco, grave e áspero (daí a importância de se assistir a um filme em seu idioma original), além de conseguir incorporar momentos de fúria com maior naturalidade do que Gibson o fazia. Quanto à Charlize Theron (que segue impressionantemente linda mesmo com quarentão nas costas, com a cara pintada de graxa, o cabelo todo raspado e um “braço amputado”), esta consegue encarnar de forma bastante orgânica uma mulher que, através de suas expressões faciais fechadas e um tom de voz levemente rude e contido, passa ao público a ambiguidade de uma personagem forte, aguerrida e intensa, mas amargurada – em razão da vida que lhe foi imposta – e sedenta por redenção (como fica claro em um diálogo entre ela e o personagem-título).

Eu ainda ia parabenizar a produção pelas referências feitas a obras literárias distópicas excepcionais, como Admirável Mundo Novo (os gêmeos de meia-vida (na obra-prima de Huxley, 96 pessoas são geradas através de um único óvulo e vivem somente até os 50 anos de idade) e o Maverick V8 sendo idolatrado como uma relíquia divina, enquanto que no livro dos anos 1930 era o Ford T que assumia este papel) e pelo conteúdo feminista inserido em sua narrativa (e olha que sou um sujeito misógino, ou melhor, que se passa por misógino pra pagar de bad ass, quando, na verdade, eu amo as mulheres), sendo que o modo como uma das “reprodutoras” chuta o cinto de castidade que acabara de remover do corpo não é apenas a cena mais cômica de todo o filme, como também deveria tornar-se um ícone em todas as passeatas do tipo feitas a partir de então. Mas deixa pra lá. Esta crítica já excedeu em mais de 100% a quantidade de palavras recomendadas e, sinceramente, ainda assim não me vi capaz de expressar sequer 20% do que realmente penso a respeito deste filme.


Já que não posso me estender muito mais, resumo aqui os meus pensamentos finais sobre Mad Max: Estrada da Fúria: não somente é a minha fita de ação predileta dentre todas as quais eu assisti nos últimos dez anos, como também conta com um cineasta veterano que consegue realizar um feito que só Stanley Kubrick havia o realizado com tamanha maestria até então: criar uma série de personagens humanos minimamente interessantes (no caso de 2001, a apatia de suas figuras dramáticas diante de um estilo de vida pós-moderno enfadonho as tornam sim personagens humanos minimamente interessantes) e, ainda assim, atribuir sabiamente a protagonização do filme a um personagem relativamente inerte, mas inoxerável, simbólico e determinante por si só.

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