Outro poema de minha autoria (pois é, disse que iria viciar nisso, não disse?). Este aqui foi baseado totalmente em fatos reais, vivenciados por mim na última noite de sábado (06 de junho de 2009), exceto, é claro, no que diz respeito à carga sobrenatural incluída nesta prosa, que deve ser encarada pelo leitor metaforicamente, e não literalmente ou até mesmo metafisicamente. O que o cadáver do poema vem a representar? Oras, leia e tire as suas próprias conclusões.
O Cadáver e o Efêmero Peregrino, por Daniel Esteves de Barros
Memórias de uma gélida e taciturna madrugada de sábado
Cujo único ruído perceptível aos ouvidos humanos
Provinha do forte vento que relutava contra as árvores
Que os seus galhos balançavam com involuntária ferocidade
O impávido zéfiro castigava o peregrino
Que sem propósito e sem destino, traçava o seu caminho
Sozinho, ele perambulava pelas ermas vias urbanas
Lutando bravamente contra o frigido acoimo hiemal
Não havia um escopo neste seu excêntrico ato
Não havia uma insaciável busca por alvedrio
Não havia uma insaciável busca pelo inaudito
Não havia uma insaciável busca pela fleuma espiritual
Quiçá fosse apenas uma fuga existencial
Quiçá fosse apenas uma retrospecção de alguns de seus momentos infantes
Quiçá fosse apenas uma oportunidade de voltar ao passado
Quiçá fosse apenas uma atitude convulsiva de uma mente perturbada
Fosse o que fosse, aquilo era um desafio
Um repto sugerido a fim de confrontar a si mesmo
Não necessariamente uma busca, e sim uma fuga
Uma escapula do que já não mais lhe confortava
Pensamentos martelavam a cabeça do efêmero andarilho
O calor de tuas mãos não mais me aquece, matutava ele
Não mais violarei vosso nuvioso túmulo
Não mais farei amor contigo neste cemitério da vida
Teus abraços não mais me consolam
Tuas mãos encontram-se cada dia mais álgidas
O esputo de teus lábios carcome a minha carne
A macieza de tua vulva só me causa náuseas
Chega! Não mais relacionar-me-ei contigo
Teu formoso corpo não mais tem a mesma forma
Tua volúpia nada mais é do que a propagação de uma ilusão
De um passado que não mais voltará
Despeço-me de ti, ó minha eterna amada
O teu vulto, antes belo, agora se encontra putrefato
E é com poucas lamúrias e ressalvas que tomo esta decisão
Enterrar-te-ei novamente, para jamais voltar a violar vosso jazigo
Agora deverás descansar em paz
Vossa carne poderá, enfim, ser decomposta pelos vermes
E enquanto busco a magia que compõe a autodestruição
Vejo o teu corpo se esfacelando relutantemente em vosso ataúde
Findam-se os lúgubres e sinistros pensamentos
A despropositada e não alicerçada pequena jornada prossegue
A inclemente ventania ainda rasga-lhe o tecido carnal que lhe compõe o rosto
Corta-lhe a carne, alfineta-lhe a vulnerabilidade corpórea e atinge-lhe a alma
O efêmero andarilho se vê então diante de paredes de concreto
Tudo lhe lembra a infância, mas não mais os bons momentos desta
Os muros estão todos ali, parados, no exato lugar onde estiveram outrora
Nada mudou, tudo se encontra da mesma forma que se encontrara anos atrás
Pessoas se foram, pessoas chegaram, pessoas ali habitaram
E a inexorável passagem do tempo a todos castigou
Mas as residências permaneceram exatamente as mesmas
Com suas raras alterações, sendo a maioria imperceptíveis
Pequenas moradias ganharam adendos
Transformaram-se em lares ligeiramente suntuosos
Mas no saldo final, o peregrino constatou que poucas foram as mudanças
E, em sua maioria, mutações que atingiram um resultado ainda mais negativo
As pessoas sobrevivem, vivenciam semelhantes cotidianos
Transformam os seus pertences, mas não transformam a si mesmas
E os anos que lenta e maçantemente se passam, as acoimam
Mas jamais punem os seus pertences, que a tudo parecem resistir
Suas residências ali se mantêm com obstinada rigidez
Mas as pessoas que as construíram, não mais
Seriam então os seus bens ainda mais fortes e marcantes do que elas mesmas?
Tal questionamento perturba a mente do corriqueiro andarilho
Acabrunhado ainda mais pelo gigantesco e atormentador contraste social
Que pode ser visivelmente notado dentro de um insignificante espaço geográfico
Cuja discrepância vem a nos ser anunciada aos berros e alardes
Pequenas suntuosidades aqui, gradativas adversidades meia quadra abaixo
Tudo isto causa uma excessiva mortificação à alma do andarilho
Que se volta para trás e segue, de cabeça baixa, o seu desconexo rumo
E enquanto vaga pelas ermas e sorumbáticas vias urbanas
Passa a lucubrar e opta por voltar-se ao cemitério da vida
Voltei-me para ti, ó minha eterna amada, diz o peregrino
E o esquife se abre, o cadáver se levanta e uma mão puxa-lhe o braço
O efêmero andarilho é então definitivamente tragado pela terra
E é ali, que para a sua perene felicidade, passará o resto de seus dias
Memórias de uma gélida e taciturna madrugada de sábado
Cujo único ruído perceptível aos ouvidos humanos
Provinha do forte vento que relutava contra as árvores
Que os seus galhos balançavam com involuntária ferocidade
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